quinta-feira, 20 de junho de 2013

Metodologias de treino - primeira parte: o ABC do condicionamento operante

«Eu cá acho um exagero que andem por aí agora umas pessoas a dizer que não se deve castigar os cães. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Até porque os cães não são todos iguais. O que importa é ir usando os métodos consoante os cães e consoante as situações. Usar um só método é ser fundamentalista e é uma forma bastante limitada de educar os nossos cães»


Existem várias formas de se treinar um cão. Existem várias diferenças, várias matizes na aplicação de métodos. E são estas diferenças que tornam únicas e renovadoras algumas abordagens de alguns treinadores. Cinco treinadores a quem fosse apresentado um mesmo caso teriam cinco abordagens diferentes, pessoais. Mas, dê por onde der, não existem mais do que dois métodos de treinar cães. A primeira ideia fundamental a ter em mente é que 'método de treino' não significa unidade, rigidez e inversatilidade na forma de se educar um cão. Um método é um conjunto de fundamentos segundo os quais cada treinador irá operar. Como tal, o modo de operar de dois treinadores que sigam o mesmo método não é, necessariamente, o mesmo. Coincidirá nos fundamentos, mas, no modo de aplicação, pode não coincidir.

Quais são esses fundamentos? Quando falo em fundamentos de um método de treino, estou a referir-me às leis do condicionamento operante.
Este tema, em si mesmo, é como a gramática: é chato e estéril; mas se não passarmos por ele, arriscamo-nos a erros futuros, erros do tipo enunciado na epígrafe deste texto. Sem dominar a gramática, um escritor não poderia escrever literariamente; no entanto, o objectivo é que o escritor domine de tal forma as regras gramaticais que não tenha de pensar mais nelas quando escrever. Assim se passa com as leis do condicionamento operante: podemos ignorá-las; podemos perder-nos infinitamente em considerações sobre elas; ou poderemos dar-nos ao luxo de não levá-las em conta de tanto as dominar. É uma questão de escolha. Para aqueles que escolheram o primeiro caso, tudo bem, é uma escolha muito legítima; mas por favor não pretendam imiscuir-se em debates em relação aos quais preferem não saber os fundamentos. Para os restantes (ou seja, tanto para aqueles que estão sempre a falar em p+, p-, r+ e r-, quanto para aqueles que incorporaram essas noções de forma natural na sua acção) convém mesmo saber-se em que consistem as leis do condicionamento operante (que são, também, as leis da aprendizagem de base skinneriana).
O condicionamento operante diz respeito ao comportamento do cão e à forma como os comportamentos se vão moldando (modificando, aparecendo, extinguindo-se). A forma como o comportamento é moldado diz respeito a algo que se convencionou chamar ABC: antencedent, behaviour, consequence; em português, antecedente, comportamento, consequência. O princípio básico desta forma tripartida é bastante óbvio, embora nem sempre as pessoas o levem em conta: todo o comportamento tem consequências. Ora, a forma como um cão vai moldar os seus comportamentos futuros passa muito pelas consequências que os seus comportamentos presentes tiverem. A primeira conclusão, já não tão óbvia, que se deve tirar neste momento é que o comportamento está em permanente construção, pois está sempre a moldar-se consoante as consequências que vai tendo. A partir desta primeira conclusão, percebemos o quão desajustada é a forma como achamos que o nosso cão "já sabe isto" ou "já sabe aquilo": um cão aprende a responder à chamada porque, sempre que o faz, algo de bom acontece; mas, a partir de determinada altura, os donos deixam de recompensar o acto, pensando que o comportamento está estabilizado; passado algum tempo o cão deixa de responder tão frequentemente às chamadas. O que acontece? As recentes consequências re-moldaram o comportamento.
A segunda ideia fundamental a ter em conta é que as consequências não dependem sempre dos donos: um cão de rua que nunca teve um dono humano está tão sujeito às leis do condicionamento operante quanto todos os outros: se ele entrar numa loja é enxotado; as consequências de entrar nos edifícios com porta aberta não são favoráveis, razão pela qual o comportamento se vai extinguindo. De igual forma, um cão que puxa na trela e chega ao destino visado (cheirar uma árvore, por exemplo) foi reforçado pela acção de puxar; o seu comportamento (puxar) teve como consequência ter chegado à árvore. A probabilidade desse cão voltar a puxar na trela aumentou nesse preciso momento. Quer o dono queira, quer não; quer o dono tenha noção, quer não. Creio que este é um dos pontos que merece mesmo ser sublinhado. É que muitas das vezes os donos interpretam muito mal as razões pelas quais, por exemplo, o seu cão não responde à chamada. "Está a ver? Eu tenho as salsichas preferidas dele aqui no bolso, chamo-o, e ele prefere estar ali a cheirar aquele arbusto". As conclusões são, normalmente, uma destas duas, ou mesmo as duas em simultâneo: (i) "pois... isto das recompensas não resulta no meu cão"; (ii) "ele está a ser teimoso e/ou desobediente". Ora, o erro aqui tem a ver com o dono considerar que o universo das recompensas (consequências) se esgota nele mesmo; ou seja, o dono comum esquece-se que os comportamentos dos seus cães também são recompensados pelo ambiente em redor. O mundo do seu cão não começa e acaba em si; achar que todo e qualquer comportamento "desajustado" do seu cão é um acto de desobediência a si é um pensamento demasiado "dono-centrista". Se o seu cão se dirige para um arbusto e o cheira, o acto/comportamento (dirigir-se para o arbusto) foi recompensado pela consequência (cheirá-lo), pelo que as probabilidades de tal comportamento se repetir no futuro aumentam nesse preciso momento.
Até aqui falámos de comportamento (a letra B, de behaviour) e de consequências (a letra C); e falámos da forma como as consequências afectam e moldam o comportamento. Mas e então a letra A; o que é o antecedente? Tal como as outras variáveis, também o antecedente pode ou não ter a ver com o dono/treinador. A forma mais conhecida de antecedente é, obviamente, o "comando": o dono diz senta (antecedente), o cão toca com o rabo no chão (comportamento), o dono recompensa (consequência). Mas o antecedente não é sempre um comando. Tomemos o seguinte exemplo: quando os donos do Louie se encontram a jantar, o Louie aproxima-se da mesa, e os donos costumam dar-lhe alguns pedaços da sua comida. Formalizando esta situação em termos de "ABC": antecedente: os donos sentam-se para jantar; comportamento: o Louie aproxima-se da mesa; consequência: o Louie recebe comida do jantar dos donos. A consequência, sendo altamente recompensadora, faz com que o comportamento se repita constantemente. Mas apenas quando o antecedente "correcto" se encontra presente. Ou seja, se o Louie se aproximar da mesa quando os donos não estiverem lá, a consequência não é a mesma, logo, o comportamento de aproximar-se à mesa apenas se irá verificar quando o antecedente indicar que as consequências para o comportamento vão ser as desejadas. Ou seja, o antecedente é um indicador de que o comportamento vai ter uma determinada consequência. Um cão aprende a apenas sentar-se ao comando se, de cada vez que se senta sem o comando, não obtiver as mesmas consequências. Os comandos, pelos quais a maior parte de donos e treinadores desenvolvem uma grande obsessão, são apenas formas de usar a função do antecedente a nosso favor; são apenas formas de controlar os antecedentes de modo a obter comportamentos desejados. É extremamente importante ter presente que existem vários tipos de antecedentes, que nem todos são despoletados pelos donos e que, mesmo quando o antecedente provém de uma acção do dono, nem todas as vezes ela vem na forma de 'comando'. Na verdade, o 'comando' é uma ocasião muito rara se comparada com a quantidade de mensagens-antecedente que enviamos aos nossos cães e que despoletam comportamentos. 
Terceira ideia fundamental a reter: para uma correcta ou conveniente educação dos nossos cães, temos de (i) definir qual o comportamento que desejamos fomentar, (ii) criar consequências apropriadas para que o comportamento desejado se repita, e o comportamento indesejado se rarefaça, e (iii) estipular um antecedente específico ao qual o cão associe o comportamento desejado e a consequência adequada. Eis o ABC do condicionamento operante.
O passo mais importante a partir deste momento prende-se com a decisão acerca do tipo de consequências que vamos proporcionar aos nossos cães. É esta decisão que define qual o método de treino que se vai usar. Sobre isto, falar-se-á na segunda parte. 

Sem comentários:

Enviar um comentário