sexta-feira, 12 de julho de 2013

WC - Jogo das consequências

- O meu cão é tão teimoso.
- Ai, sim? Então, porquê?
- Insiste em não fazer xixi na rua. Levamo-lo à rua e ele nada. Aperta, aperta... Depois, mal chegamos a casa, pumba, vai logo fazer um xixi. 
- Deixe-me adivinhar: o caro amigo repreendeu o seu cão sempre que ele fez dentro de casa, certo?
- Sim, como sabe?
- Hm, tenho um dedo que adivinha...

Na verdade, esse dedo-adivinho chama-se lei da aprendizagem. Lei da qual nenhum cão foge, por muito que isso nos custe e por muito que haja pessoas que interpretem essa afinidade à lei como algo que robotiza os nossos cães.

Aquando da abordagem ao condicionamento operante, vimos que nenhum método de treino existente exclui o uso de castigos. Mas ao longo destes últimos "posts", acerca da questão das necessidades, tem-se vindo a desaconselhar qualquer tipo de castigo aplicado aos nossos cães sempre que eles fizerem xixi no sítio errado. Porquê?

Em primeiro lugar, gostaria de recordar algo de muito importante que foi dito nos "posts" relativos às leis de aprendizagem e ao funcionamento do condicionamento operante: é muito importante saber estes princípios para que os possamos "esquecer" quando os aplicamos. Ou seja, é mau sinal quando andamos com as definições para trás e para a frente sempre que vamos aplicar condicionamento operante. É sinal que estamos demasiados preocupados com aquilo que é, ou deveria ser, secundário.

Em segundo lugar, e consequentemente, temos de ver a situação nela mesma e pensar nas repercussões das nossas acções. Conforme espero que fique claro no final deste "post", castigar o nosso cachorrinho quando ele faz xixi fora do sítio equivale a dar um tiro no pé. Vejamos. (o que se segue é vagamente inspirado numa ideia recolhida de The Culture Clash, da Jean Donaldson)

Existem quatro cenários possíveis para o evento em causa. Quatro e só quatro:

                a. o cachorro faz xixi no local correcto e o dono está lá para ver;
                b. o cachorro faz xixi no local correcto e não está ninguém a ver; 
                c. o cachorro faz xixi no local errado e ninguém está lá para ver; 
                d. o cachorro faz xixi no local errado e está lá o dono para ver.

Agora vejamos as consequências possíveis:

                a1. o dono recompensa o acto
                a2. o dono ignora o acto

                b. nada acontece a não ser o alívio da bexiga

                c. nada acontece a não ser o alívio da bexiga

                d1. o dono castiga o acto
                d2. o dono ignora o acto

Como vemos, e como é óbvio, só há alternativas quando o dono está presente; quando o dono está ausente, por muito que custe, não há opções: as consequências são inevitavelmente uma e uma só. O cachorro alivia a bexiga sem feedback de ninguém (nem positivo, nem negativo).
Agora, imaginemos um caso, um exemplo:

O Patusco, numa bela tarde de Terça-feira, estava, como normalmente, a passar a tarde sozinho em casa. Como normalmente, também, começou a ter vontade de fazer xixi. Dessa vez, decidiu experimentar o chão da sala de estar. Nada aconteceu de extraordinariamente relevante, nem positivo nem negativo. Apenas aliviou a bexiga, e nada mais. "Hm, aqui parece ser seguro", será a informação processada pelo Patusco. Nesse mesmo dia, à noite, já com os seus donos em casa, o Patusco volta a fazer um xixi no mesmíssimo sítio da sala de estar: não só ele havia pressentido, pela experiência desse dia, que esse sítio parecia seguro, como ainda havia resíduos do odor do xixi precedente. Porém, dessa vez, os donos estavam lá e, muito naturalmente, repreendem e castigam o acto do Patusco. "Epá, afinal este sítio não é assim tão seguro...".
No dia seguinte, o Patusco decide experimentar, dessa vez, o chão da cozinha. A sucessão de eventos é a mesma: de tarde, as consequências são neutras (em rigor, são moderadamente positivas, já que o alívio da bexiga já é uma consequência positiva); de noite, as consequências são negativas, pois o seu cachorro é castigado (por fazer exactamente a mesma coisa que havia feito de tarde...).
A pergunta a fazer é: o que mudou? Qual foi a alteração que fez com que, do dia para a noite (literalmente!) as consequências do mesmíssimo acto sejam tão diferentes? Creio que não parece haver dúvidas, não acha? Claro, o factor diferencial é, justamente, a presença dos donos. Num evento, não se dá a presença dos donos; no outro, os donos estão presentes.
Os nossos cachorros podem não ter o mesmo tipo de inteligência que a nossa, mas não me parece que demorem muito a chegar às mesmas conclusões. Lembre-se de que um cachorro aprende tudo com base nas consequências para os seus comportamentos. Assim sendo, com base nas diferenças de consequências para um mesmo acto, qualquer cachorro vai aprender a seguinte lição: "ah, ok, já entendi; os meus donos não gostam é que eu faça xixi ao pé deles..."
E essa lição é reforçada logo a seguir quando o cachorro sente vontade de fazer um xixi, com os donos presentes, mas, desta vez, procura um sítio afastado destes. Qual a consequência para um xixi na divisão ao lado? Lá está: consequência neutra (moderadamente positiva). "ah ah! confirma-se, só tenho é de fazer xixi longe dos meus donos, está feito". Claro que dois minutos depois os donos vêem o servicinho e poderão considerar castigar o seu cachorrinho. É claro que, por esta altura, já o estimado leitor saberá que, nesse caso, os donos estarão a castigar o comportamento que o seu cão acabou de ter (seja ele qual for), e não o xixi de há dois minutos atrás.
E agora o caro leitor visualize cada passeio do seu cão. Pode ir passear para a rua da frente, para a rua de trás, para o jardim, para o parque, para a praia. Pode encontrar ou não outros cães; pode ser afagado ou não por outras pessoas. Muita coisa pode acontecer de forma variada de passeio para passeio, mas há uma coisa que se mantém inamovível: a presença de um dos donos, bem junto dele. Agora adivinhe lá por que razão é que o seu cachorro se recusa a fazer xixi na rua. Qual será a razão? É a mesma pela qual ele procura uma divisão da casa sem ninguém para fazer lá o seu xixi. Ele aprendeu que fazer xixi junto dos seus donos tem um tipo de consequências bem piores do que fazer longe deles. Isto é pura e simples aprendizagem. Não é teimosia, não é vontade de embirrar consigo, não é nenhuma luta de poderes.

Mas então o que devo fazer quando o meu cachorro fizer xixi no sítio errado?

Em primeiro lugar, deveria ponderar uma viragem de paradigma na forma de pensar. Em vez de pensar em "como terminar o comportamento X" (que, normalmente, só desencadeia uma série de experiências com novas e novas formas de castigar esse comportamento; formas que se vão tornando cada vez mais pesadas e desesperadas à medida que o comportamento insiste em se manter), pense antes "o que é que eu gostaria que o meu cão fizesse em vez de X?", e, consequentemente, "como promover esse comportamento alternativo?".
Em segundo lugar, leia ou releia os posts anteriores, veja qual é a situação que se aplica ao seu caso (se ainda não tem o seu cachorro, ou se já o tem em casa há tempo suficiente para ele ter criado já um hábito desajustado) e, por último, aplique os passos considerados. Vai ver que tudo se torna muito mais agradável, e menos desgastante; mas, sobretudo, vai ver que a eficácia é surpreendentemente grande.

Ora, por que razão não se deve castigar os xixis e cocós fora do sítio? Porque, simplesmente, estaremos a criar um vínculo entre o castigo e a presença do dono (e não um vínculo entre o castigo e o sítio errado). Não só não ajuda a ensinar o cachorro a fazer no sítio certo, como torna a coisa ainda mais difícil. Porquê mais difícil? Porque, para ensinar de forma sustentada e duradoura o seu cachorro a fazer no sítio correcto, vai ter de lá estar para recompensar; e se entretanto "ensinou" (mesmo que inadvertidamente) o seu cachorro a fazer os xixis e cocós longe de si, fica mais difícil estar lá para recompensar, não acha?

1 comentário: