terça-feira, 9 de julho de 2013

WC, aula prática (quando o cachorro já vive em casa dos donos e já ganhou hábitos inadequados)

(para quem estiver com muita pressa, existe um resumo no final; o leitor poderá passar directamente para lá, se assim o desejar)

O programa descrito no "post" anterior, apesar de extremamente eficaz e consideravelmente fácil de executar, tem um índice de aplicabilidade muito curto. Porquê? Porque, simplesmente, as pessoas apenas começam a considerar a questão como problemática quando o problema já está enraizado e quando um hábito errado já está formado. Quase ninguém se preocupa com o problema antes de ter o seu cachorro, e encara com normalidade as primeiras necessidades fora do sítio. Apenas se começa a sentir toda esta questão como sendo um problema quando ele já está bem enraizado.

Em relação a estes casos (infelizmente, muito mais comuns do que aqueles para os quais se aplicaria o programa Errorless Housetraining), existe também a ideia de que é apenas precisa alguma paciência e consistência. Mas isso não só é errado como traz consequências bem nefastas. Ao invés, é bem possível reverter a situação num espaço não superior a três dias. Sim, em dois ou três dias o seu cão pode perfeitamente começar a fazer a totalidade dos seus serviços no sítio certo. Ao contrário do programa anterior, aqui haverá sempre a possibilidade de um ou outro acidente depois desses três dias. Mas o que importa é que cada xixi fora do sítio já será tão raro a ponto de podermos considerá-lo um acidente.

Como fazer? Em termos sumários, trata-se de uma aplicação dos princípio mais basilares do programa Errorless Housetraining de que falámos ontem: não deixar o cachorro à solta com a bexiga cheia; promover condições para que o seu cachorro acerte no sítio desejado algumas vezes seguidas; recompensar memoravelmente cada acerto.
O grande problema é que, por esta altura, o cão já terá desenvolvido uma série de hábitos que servirão de obstáculo ao seu trabalho. Por isso, eu considero que o confinamento de longo-prazo e de curto-prazo não tem grande aplicabilidade. Ao contrário do que acontece com um cachorro que acaba de chegar a nossa casa, não é fácil nem, sobretudo, imediato educar um cachorro que já se habituou a uma rotina de deriva e de liberdade de movimentos a, subitamente, permanecer confinado durante algum tempo.

O primeiro passo a dar será estipular o próximo fim-de-semana como "o fim-de-semana em que o nosso cachorro vai começar a fazer xixi na rua". "Um fim-de-semana inteiro?!?" Sim, é isso mesmo; ou prefere continuar de esfregona na mão mais dois meses?
Se possível, tente arranjar uma folga na segunda-feira, ou arranjar metade do dia, e outra pessoa de casa arranje a outra metade.
No Sábado, levante-se o mais cedo que conseguir. Tente acordar antes da hora normal do seu cachorro "acordar para o dia". Durante os seus afazeres matinais, seja o mais rápido possível e mantenha o seu cachorro em vigilância e o máximo de tempo sentado ou deitado. É essencial que o seu cachorro não faça nenhum xixi ou cocó nesse período. Se vir que é melhor, embale um pequeno-almoço "portátil" de véspera e tome-o na rua. Antes de sair, não se esqueça de levar consigo algumas tiras de fígado cozido, frango cozido, salsichas ou cubos de queijo.
E... vamos para a rua. Vamos passear. Deixe o seu cão cheirar "os cantos" à vontade. Lembre-se do objectivo do fim-de-semana. Tudo o resto é secundário. Alongue o passeio até entre duas a três horas. Não precisa de andar o tempo todo. O importante é que o seu cachorro fique na rua durante esse tempo para poder fazer no "sítio certo". No entanto, não esteja sempre parado, como é óbvio. Estipule qual é o tempo que vai passar na rua; eu acho que ajuda ter tempos bem definidos de antemão. Se, durante este primeiro passeio, o seu cão fizer... já sabe, não poupe nas recompensas! E ajuda se se demonstrar muito contente e amigável com o seu cão. Duas coisas, no entanto: não abuse na histeria e nos afagos... há cães para os quais tais apertos não são muito recompensadores; e, por favor, não seja cerimonioso a dar as recompensas - o tempo de dá-las é no momento exacto em que o seu cachorro termina o serviço. Para isso, convém ter as recompensas à mão. Passado o tempo estipulado, no entanto, é provável que o seu cão não tenha feito nada. Tanto mais provável quanto mais habituado estiver o seu cachorro a fazer as necessidades em casa. Se ele não fizer nada nessas horas, tudo bem, está tudo previsto.
Volte para casa. Assim que estiverem perto de casa, e o seu cachorro já tiver compreendido que estão a chegar, abrande o passo e faça tudo um pouco mais devagar. Por esta altura, o seu cachorro já terá "programado" a sua bexiga para se ir soltando, pois estão prestes a chegar à casa de banho... que, na cabeça dele, ainda é o parquet lá de casa. Assim que chegarem a casa, peça ao seu cachorro para se sentar. Aproveite para treinar o comando 'senta' (ou 'deita'). Recompense-o generosamente, mas, claro, nunca usando as recompensas especiais que reservou para os xixis lá fora. Os 'sentas' servem, evidentemente, para evitar que o seu cachorro se alivie lá dentro. Passado um ou dois minutos deste exercício, é hora de voltar a sair de casa. Por esta altura, como o seu cachorro achava que estavam a chegar a casa, ele já se estava a preparar para ir fazer o seu xixi matinal. Por isso, é bem provável que ele já esteja bem "apertado". Tenha imenso cuidado para que ele não se alivie no elevador ou pelas escadas. Se houver escadas longas para percorrer, ou percursos demorados no elevador, é boa ideia pegar no seu cachorro ao colo ou promover uma viagem de elevador bem sentado!
Uma vez chegados à rua, novamente, estão em território seguro. E agora é bem provável que o seu cachorro já tenha mais dificuldades em aguentar-se. Estipule um tempo de, aproximadamente, uma hora para este novo passeio. Se houver mais do que uma pessoa em casa, é boa ideia repartir os diversos passeios. Se, durante esta hora, o seu cachorro nada fizer, volte para casa e repita o processo. Desta vez, não arrisque sequer ficar mais do que cinco segundos em casa. Mal entra, volta imediatamente a sair. E vá para um terceiro passeio.
Repita este procedimento até que um primeiro e histórico xixi saia! Acredite que vai sair, porque vai mesmo. Pode demorar mais ou menos "passeios", mas acredite que até à hora de almoço vai haver "novidades no pelotão". Este é o ponto mais fundamental do processo: conseguir um primeiro xixi fora de casa e recompensá-lo desalmadamente.
Duas dicas para esta fase: nunca use todas as recompensas para esse primeiro xixi. Lembre-se de que vai haver, algures, um cocó. E lembre-se de que pode haver um segundo xixi. Se apenas um "evento" for premiado, o seu cachorro vai certamente processar a informação como coincidência. E tudo aquilo que nós queremos é que o seu cachorro faça uma associação bem forte entre "xixi na rua" e "fígado, fígado, fígado!!". Segunda dica: após o seu cão ter feito um serviço qualquer, não se dirija para casa. Rapidamente o efeito negativo de "voltar para casa" vai apagar o efeito positivo das recompensas que recebeu. Ao invés, depois do xixi do seu cão e depois das respectivas e imediatas recompensas, torne o passeio mais divertido nesse preciso momento. Faça alguma coisa de que o seu cão goste. Um jogo de "tug", uma corrida... Se houver algum terreno seguro (repito: seguro!) nas redondezas, encaminhe-se para lá, solte-o e deixe-o correr; de preferência, leve umas bolas de ténis e atire-as. Da primeira vez, não vai haver nenhuma associação, mas passadas algumas repetições, o seu cão vai facilmente concluir que todas essas coisas extraordinariamente boas acontecem depois de ele fazer xixi na rua. "Estes humanos são doidos; eles adoram urina na rua. Não acredito que estive este tempo todo a desperdiçar esta minha riqueza renovável no chão lá de casa!".. é mais ou menos este o "pensamento" que queremos que o nosso cão processe.
Volte para casa. É hora de almoço. Mas não é hora para relaxar. Qualquer acidente nesta fase é desastroso. Ainda não houve um historial de boas consequências para poderem abafar um acidente. Passados dois dias inteiros de xixis e cocós na rua altamente recompensados, aí sim, até nos podemos dar ao luxo de ter um acidente pontual... Mas nesta altura, simplesmente, não! Um dos membros da família (podendo haver rotatividade) vai ter de ficar mais de olho no cachorro durante o almoço. Peça ao seu cachorro para ficar o maior tempo possível deitado e, se possível, na caminha dele. E sempre junto de vós! Eu aconselho a que levem um copo com uma porção de ração do seu cachorro (aquela designada para o almoço, por exemplo). Digam ao seu cachorro para se deitar a uns três metros da mesa. E, de 15 em 15 segundos, atirem um pedaço de ração. Ao mesmo tempo que impede o seu cachorro de andar pela casa e poder fazer um xixi aqui ou ali, está a treinar o seu cachorro a ficar deitado, calado e sossegado enquanto o resto da família almoça. (Se quiser continuar com este treino, aumente 10 segundos a cada novo dia; ou seja,  no almoço de domingo já será de 25 em 25 segundos que irá atirar um pedaço de ração).
Assim que terminarem o vosso almoço, também o vosso cachorro terá terminado a dele (a ração que lhe foram atirando ao longo do vosso almoço). Ou seja, na próxima meia hora é altamente provável que um xixi e/ou um cocó estejam para sair. É hora de ir para a rua!
A partir daqui, já sabe a rotina. Estipule uma duração para cada passeio. Ao fim dessa duração, caso não haja novidades, volte para casa, e volte a sair imediatamente. Se houver novidades, premeie entusiasticamente e não volte logo para casa.
Quando o seu cachorro já tiver feito as suas necessidades "pós-almoço", poderá voltar para casa (mas não imediatamente, já sabe) e descansar um pouco. Por esta altura, o seu cachorro quererá tirar uma boa sesta, pois passou a manhã toda para lá e para cá. Aproveite esse facto. Assim que o seu cachorro acordar, ele vai querer aliviar-se, de certeza. Nessa altura, mal ele acorde, leve-o novamente à rua. E, já sabe, espere até ele fazer alguma coisa e recompense vigorosamente quando tal acontecer. 
Repita estes procedimentos ao longo do fim-de-semana (e, se possível, durante também um terceiro dia de folga dos donos). Quando voltarem à rotina da semana, é natural que aconteça um ou outro acidente dentro de casa. O importante é fazer com que os acidentes sejam isso mesmo: acidentes. Ou seja, excepções à regra. Para isso, nos primeiros dias de rotina "normal", certifique-se que o seu cachorro faz as suas necessidades antes dos donos saírem para o emprego. Isto é: passeie o seu cão antes de ir trabalhar. E faça o mesmo quando chegar a casa. O quanto antes. Tudo para que o seu cão fique o mínimo de tempo possível em casa, com o chão "à disposição". 

Duas sugestões adicionais: 

1. Pode, evidentemente, experimentar instituir um plano de confinamento de longo-prazo, tal como o descrito no "post" anterior. Dessa forma, poderá controlar melhor o tempo em que o seu cachorro fica sozinho em casa. O problema, tal como foi dito mais acima, é que, por esta altura, o seu cão já estará habituado a andar à deriva, pelo que será mais difícil habituá-lo ao confinamento do dia para a noite. O meu conselho: ao longo do fim-de-semana, experimente ir promovendo algum tempo de confinamento de longo-prazo. Saia de casa por uns vinte minutos e deixe a gravar (som ou imagem), para perceber se o seu cachorro ficou tranquilo. Se não tem mais tempo para além do fim-de-semana para treinar o confinamento de longo-prazo, e se o seu cão não reagiu lá muito bem, eu aconselharia a não deixá-lo confinado logo na segunda-feira. Isso pode ter efeitos indesejáveis...

2. Durante a primeira semana imediatamente a seguir a este fim-de-semana, é aconselhável que tenha alguém que possa ir a casa passear o seu cachorro de forma a minimizar as horas seguidas que ele passará sozinho. Se não houver alguém de casa disponível para tal, e se não houver nenhum amigo ou familiar que se voluntarie para essa ajuda, considere contratar os serviços de um "dogwalker". É só durante uma semana...


Apesar desta extensão toda, o programa a seguir é relativamente simples. Resumamo-lo:


  • Reserve o próximo fim-de-semana para o efeito. Não faça mais planos. Vai "perder" dois dias de fim-de-semana, mas vai ganhar muito sossego e vai fortalecer a sua relação com o seu cachorro;
  • Na Sexta-feira, prepare alguns lanches para a família. Vai passar muitas horas fora de casa no Sábado e no Domingo; e prepare várias tiras de fígado cozido (ou outras iguarias supremas) para premiar as necessidades na rua
  • Comece o programa, no Sábado, o mais cedo que conseguir. Acorde antes da hora normal do seu cão acordar, e antecipe-se ao primeiro xixi matinal dele.
  • Leve-o o quanto antes para a rua e espere duas horas - é importante estabelecer um prazo; se andarmos na rua indefinidamente, vamos perder mais facilmente a paciência;
  • Se o seu cão não fizer nada, não desespere: volte para casa, e, assim que entrarem em casa, peça ao seu cão para se sentar, aguente um ou dois minutos (vá dando alguns biscoitos para mantê-lo nessa posição durante tanto tempo..., dê biscoitos de valor pouco significativo, para não ofuscar as recompensas "premium" reservadas para o "grande evento");
  • Saia por mais trinta ou sessenta minutos; 
  • Repita o processo até ter o primeiro xixi na rua;
  • Assim que este surgir, recompense de forma bem memorável. Cinco pedaços de fígado cozido, umas festas e umas "sorridentes" palavras de apoio são recomendáveis. 
  • Não volte para casa imediatamente; não associe o xixi ao "fun's over". Ao invés, comece um passeio mais divertido, levando-o para zonas mais atractivas, e promovendo brincadeiras (ajustáveis ao espaço em que estiver, claro)
  • Depois das brincadeiras, volte para casa;
  • Mantenha o seu cachorro na cama dele, no seu colo, deitado no sofá... numa posição em que, para ir fazer novo serviço implicará um movimento bem perceptível. Se ele se levantar, leve-o imediatamente à rua.
  • Os três princípios gerais são: passar muito tempo na rua, ter o cão sob extrema vigilância quando em casa, e sair para a rua mal o cão saia da sua posição de descanso. Não espere para ver se o seu cão vai mesmo fazer ou não. É muito provável que vá mesmo fazer alguma coisa. E, nessa altura, não adianta castigar. O mal já está feito, e o trabalho realizado até aí fica seriamente comprometido. 
  • É por isso que fazemos isto num fim-de-semana: para ter oportunidade de fazer com que o nosso cão tenha vários "acertos" sucessivos. Se fizermos isto dentro da rotina normal, vamos ter um "acerto" entre um ou vários "enganos". Dessa forma, o processo dura muito mais tempo

Acerca do porquê de não ser aconselhável castigar-se o nosso cachorro por fazer no local errado, em circunstância alguma, o abacaxi dedicará o próximo "post". 





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