segunda-feira, 1 de julho de 2013

Princípio de Premack

«Come primeiro os vegetais e poderás comer o gelado.»

Normalmente, quando alguém tenta explicar o que é o Princípio de Premack, começa por abrir mão deste exemplo epigráfico. E os problemas começam logo aí. É certo que logo a seguir vem toda uma explicação mais coerente e capaz, mas metade do público já se perdeu logo ali. Porquê? Simplesmente, uma grande parte das pessoas vai ver naquela fórmula um modo de suborno. E quem os poderá culpar? Na verdade, se eu disser isto a uma criança, estou, de facto, a usar um certo tipo de suborno.
Ora, para evitar este tipo de problemas e, sobretudo, para verdadeiramente reproduzir o significado do Princípio de Premack, a fórmula que eu usaria seria diferente. Seria esta:

«De tanto comeres o gelado apenas a seguir aos vegetais, vais passar a gostar dos vegetais.»

É de duvidar que isto se passe, pelo menos de forma tão linear, nas crianças humanas. Mas nos cães isto é bem mais directo. Aliás, mesmo nos humanos isto não é assim tão absurdo. Que levante a mão aquele que gostou de cerveja na primeira vez que bebeu. No entanto, passado algum tempo, seja pelo efeito posterior, seja pelo convívio social associado, a verdade é que se começa a gostar da cerveja... até ao ponto em que se gosta de cerveja por si só, sem associações a mais nada. Chamamos a isto "gosto adquirido", mas a verdade é que tal aquisição surgiu por uma forma de condicionamento.  

O princípio de Premack, no treino de cães, é usado com especial relevância na chamada. A grande batalha que um dono trava quando está a tentar chamar o seu cão no parque é contra as distracções que existem no ambiente. Um cão avista um gato ao longe; o avistamento é recíproco; o gato começa a fugir, incitando o instinto de caça do cão, que o persegue. O dono tenta chamá-lo, sem sucesso. Neste caso, o gato (ou melhor, a perseguição ao gato) é um reforço primário. O dono bem que pode ter uma lata de fígado cozido na mão, não adianta; nesta situação (sublinho: nesta situação) o fígado será sempre um reforço secundário. A ideia contida no princípio de Premack, aplicada ao treino, consiste em transferir as qualidades do reforço primário para um reforço secundário qualquer. Numa fase bastante adiantada do treino, um cão, antes de iniciar a perseguição ao gato, viria ter com o dono (que entretanto o havia chamado) para poder perseguir o gato. A vantagem imediata é que o dono, nesse momento, poderia ter tempo para decidir se seria seguro deixar a perseguição iniciar-se ou não (dependeria da distância a que o gato já estivesse, da existência de estradas por perto, etc.). Em princípio, o dono decidiria não promover a perseguição e seguraria o cão. Mas com plena consciência de que, ao frustrar, dessa vez, a mecânica do comportamento e dos seus reforços, teria de, nos dias seguintes, recompensar intensamente o comportamento para que ele não desaparecesse. A ideia é sempre treinar muito, em ambientes controlados, para o eventual dia em que o exercício será a sério (assim tipo atleta olímpico). Lamentavelmente, a maior parte das pessoas "treina" nas situações reais, sem controlo do comportamento nem gestão do ambiente (assim tipo futebol brasileiro, em que se joga mais do que se treina). 
Numa fase inicial, o treino da chamada usando o princípio de Premack passa por coisas deste género. Colocamos um bocado de comida num sítio em que o cão tenha noção de que lá está, mas onde não consiga chegar (em cima de uma mesa... ou do frigorífico, se tiverem um Dogue Alemão). Colocamo-nos atrás do cão, na ponta oposta da sala. E chamamo-lo. Ele demorará a vir, pois está mais interessado no petisco à borla. Mas eventualmente virá (só é preciso chamar uma vez). Quando ele vier, nós reforçamos rápida e levemente e - mais importante - vamos com ele até ao sítio do petisco inacessível e oferecemo-lo. A primeira tentativa poderá parecer frustrante, pelo tempo que o cão demorou a responder à chamada. Mas nas tentativas seguintes (aí por volta da terceira ou quarta), irão ver que, como por magia, o cão dirige-se prontamente a si quando o chamar. O objectivo, neste exercício, é que, tal como diz a incomparável Jean Donaldson, «o cão aprenda uma estranha lição de física: para chegar até aos objectos, devo afastar-me deles... wow». 
É óbvio que para chegar deste primeiro exercício até ao controlo do cão na perseguição ao gato é preciso passar por muitas etapas intermédias, que envolvam subidas de fasquia e de exigência, e mudanças no objecto "desejado" (comida diferente, bolas, um dos donos que acabou de chegar, ...). Um bom exercício de grau intermédio passa por fazer algo parecido com o exercício inicial, mas imprimindo movimento à comida-alvo. Ou seja, colocados junto ao nosso cão, atiramos um pedaço de comida, deixamos o cão correr um ou dois metros e chamamo-lo em plena corrida. Se o cão não responder, então recuem no nível de exigência, por exemplo, chamando-o ainda antes de ele começar a correr. É importante que, durante as experiências para ver qual o nível de exigência ajustado para começar, o cão não seja reforçado por não responder à chamada (usem uma segunda pessoa que bloqueie o acesso à comida caso o cão não responda à chamada primeiro, ou usem uma trela, mas cuidado com os esticões abruptos). 

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