quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Centrão, segunda parte

(continuação)

  • Três categorias de treinadores

Numa segunda parte do seu texto, Ed Frawley faz uma distinção dos três categorias de treinadores que, segundo ele, existem. Os que treinam os seus cães com base em recompensas; os que treinam os seus cães com base em castigos; e os que treinam os seus cães com base em recompensas e em castigos. A grande questão é que, para Ed Frawley, os membros da primeira categoria apenas usam recompensas e os da segunda categoria apenas usam castigos. A virtude estaria, pois claro, na posição intermédia, representada na terceira categoria, que usaria tanto as recompensas quanto os castigos.
Vamos ver de que forma Ed Frawley define estas categorias.

A primeira categoria diz respeito aos treinadores que, segundo ele, «suplicam ou subornam e conduzem os seus cães a fazer alguma coisa ao oferecer comida ou um brinquedo». «Não me interpretem mal, continua Ed, eu também uso comida e brinquedos em treino, mas também uso distracções e correcções. As pessoas nesta categoria não usam nem distracções nem correcções.» Bastar-me-á apenas esta definição para demonstrar o erro de princípio que Ed Frawley comete. 
Em primeiro lugar, nenhum treinador, seja lá de que categoria for, ignora que se devam usar distracções para fortalecer um comportamento. Nenhum. Apenas donos inexperientes acham que quando um cão segue o comando 'senta' na cozinha, ele falo-á de igual forma no parque com dez cães à volta. Um treinador sabe que isto não se passa assim. Dizer que os treinadores que se baseiam em recompensas não usam distracções é uma mentira muito conveniente para desacreditá-los.
Em segundo lugar, nenhum treinador no mundo usa apenas recompensas. Mesmo que não queira ou que disso não tenha consciência, um treinador que esteja a usar reforço positivo terá de usar também castigo negativo, para evitar que comportamentos concorrentes (e indesejados) sejam também reforçados. Usar uma trela é estar pronto para usar castigo negativo quando necessário (sem recurso a esticões, porque isso já será castigo positivo). Dizer que os treinadores que se baseiam em recompensas não usam correcções é uma mentira muito conveniente para desacreditá-los.
Em terceiro lugar, usar comida ou brinquedos como forma de recompensar comportamentos não é, não pode ser uma forma de suborno. Para colocá-lo de forma simples: quando usamos comida como forma de suborno, estamos a fazê-lo mal. Ora, repare bem o estimado leitor que para Ed Frawley o problema não está em distinguir um bom uso de um mau uso de comida ou de brinquedos; para Ed, qualquer uso de comida e brinquedos é uma forma de suborno. E o próprio Ed admite que usa comida e brinquedos no treino. Logo, está a admitir que usa formas de suborno. E, para contornar essa fase de suborno, Ed Frawley vai compensar a balança ao usar também "distracções e correcções". Ed Frawley apenas defende a necessidade de correcções e castigos porque o uso de recompensas é, por essência e definição, uma forma de suborno. Se Ed soubesse, ou admitisse, que o uso de formas de reforço positivo não são formas de suborno; se soubesse ou admitisse que reforço positivo implica criar um historial de boas consequências para um determinado comportamento de modo a que este comportamento se torne cada vez mais frequente, sólido e reforçante em si mesmo; então teria muitas mais dificuldades em justificar as razões pelas quais esta categoria de treinadores peca por defeito. 

A segunda categoria diz respeito a treinadores que, segundo Ed, «intimidam e forçam os seus cães para fazerem o que os donos querem que eles façam». Ed denomina este tipo de treinadores como sendo treinadores do esticão e da cedência (yank and crank trainers), e toma como seu modelo William Koehler. (Uma nota de curiosidade: William Koehler tem mais anos de experiência do que o próprio Ed Frawley; o que é que isto diz do argumento da experiência como princípio de um bom treino? Claro, os anos de experiência não podem ser fundamento da qualidade nem do tipo de treino. Fim de nota.)
Uma vez mais, existem aqui erros de base. Nomeadamente dois.
Em primeiro lugar, nenhum treinador usa apenas castigos e correcções. Por definição, os castigos positivos só funcionam se agregados a um reforço negativo. Existe sempre a recompensa do fim do castigo positivo. No mais, qualquer treinador da "escola" William Koehler usa uma (pretensa) forma de reforço positivo: o elogio. Faz parte de qualquer compêndio de treino tradicional e focado nas correcções proferir palavras de elogio quando o cão "acerta". Se os elogios funcionam como forma efectiva de reforço positivo ou de motivação, isso já é outra questão (o próprio Ed Frawley tem uma apurada e perspicaz visão acerca do assunto, aqui e aqui). A questão é que, segundo a lógica dos "yank and crank trainers", existe espaço para algo mais do que simplesmente correcções; existe espaço para assinalar o bom comportamento. 
Em segundo lugar, o mais importante. Repare o estimado leitor que aquilo que Ed Frawley rejeita nesta categoria não é o tipo de correcções que é feito. Para Ed, o problema não está numa distinção entre boas e más formas de correcção. Para Ed, qualquer uso de correcções é uma forma de forçar os cães a realizarem um comportamento. O erro que Ed distingue nesta categoria de treinadores é focarem-se exclusivamente nas correcções e esquecerem-se da componente recompensadora. 

Aquilo que podemos concluir das definições que Ed Frawley faz destas duas categorias de treinadores é a seguinte: o problema não está no uso da comida e de brinquedos como suborno; o problema não está no tipo forçado e intimidante das correcções: o problema está no uso exclusivo de uma das duas partes. Aquilo que Ed Frawley pretende é um uso combinado daquelas duas categorias. A terceira categoria de treinadores situa-se no meio-termo. Segundo palavras do líder da Leerburg, a terceira categoria «é formada por treinadores que pretendem estar no meio das outras duas categorias». Ed Frawley prossegue, dizendo que tais treinadores «se equilibram no meio, mas estão sempre preparados para se moverem para um lado ou para o outro dependendo daquilo que se estiver a passar num determinado momento do treino do cão».
Ora bem, juntando todas as pontas destas definições, Ed Frawley defende uma categoria de treinadores que balancem entre subornar o cão e intimidar ou forçar o cão. Não se está aqui a fazer qualquer exercício especulativo ou deturpador. Se Ed Frawley define a primeira categoria como aquela que "suplica aos seus cães por um comportamento, e suborna-os para os obter"; se define a segunda categoria como aquela que "intimida e força os cães para obter um comportamento", e se, por fim, define uma terceira categoria (na qual ele se insere) como aquela que "balança entra a primeira categoria e a segunda categoria para aplicar o mais adequado à fase específica do treino", então, aquilo que Ed Frawley está a defender é, simples e literalmente: "oscilar entre subornar o cão ou forçar o cão".
Estou certo de que o estimado leitor se recordará do que foi dito no texto anterior acerca das ideologias do meio-termo: de tanto seleccionar ou peneirar o que de melhor há nos extremos, o meio-termo fica apenas com os restos. Ou seja, o meio-termo, por se definir como posição equilibrada entre dois extremos, fica sempre com aquilo que acaba por criticar nesses dois extremos.
Se Ed Frawley quiser defender que não é isso que pretende; se quiser defender que não pretende nem subornar cães nem intimidá-los, então terá de redefinir a forma como descreveu as duas primeiras categorias de treino. Tenho é a impressão que uma tal redefinição iria tornar a terceira categoria absolutamente desnecessária.

(continua...)

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