terça-feira, 27 de agosto de 2013

Saber? mas o que significa saber?

Seria muito melhor se apagássemos esta palavra do nosso reportório de termos relativos à educação de cães. É muito pantanoso o terreno daquilo que um cão sabe e não sabe; nunca se sabe muito bem o que é que eles sabem, nem sabemos sequer se essa é uma forma fiel de representar o modo cognitivo de um cão. Saber? Hm, prefiro concentrar-me no comportamento, especificamente no comportamento.
É claro que podemos usar o termo 'saber' de forma lata, mesmo mantendo todas as interrogações que levantámos. Mas a questão é que o facto de lidarmos com o comportamento dos cães em termos de saber e não saber leva-nos a pontos que são tudo menos benéficos na nossa relação com eles. Leva-nos, por exemplo a moldar o tipo de castigos que usamos. Por exemplo, quando "achamos" que o nosso cão não sabe muito bem o que fazer, e faz algo de inconveniente, usamos formas de castigo mais leves (castigos positivos brandos, como time-outs ou repreensões brandas), ou limitamo-nos a interromper o comportamento inadequado (castigo negativo); mas quando "achamos" que o cão já sabe o que pretendemos e, ainda assim, faz algo inapropriado, a nossa tendência é ver nesse comportamento uma certa forma de desrespeito, e respondemos à altura, intensificando o castigo.
Ora, o problema em tudo isto é que a eficácia do castigo (única razão pela qual um castigo deve sequer existir) é subtilmente substituída por uma questão de justiça. Isto é, em vez de usarmos o castigo como forma simples de comunicar com o nosso cão e fazer com que o comportamento inadequado deixe de ocorrer no futuro (questão prática e de eficácia), passamos a usar o castigo como forma de estabelecer um certo equilíbrio justiceiro (questão moral e de ressentimento), do tipo: "ele sabe que está a proceder mal, logo, tem de sofrer consequências». E isto estende-se até à primeira fase de aprendizagem: num ápice, as razões pelas quais não estamos a castigar os nossos cães nas primeiras fases de aprendizagem também se tornaram razões de ordem moralista e de justiça: "oh, coitadinho, ele ainda não sabe".
Quando moralizamos a educação dos nossos cães e a envolvemos em preceitos justiceiros, estamos a antropomorfizar os nossos cães. É curioso que apenas se pense na humanização dos cães quando os donos os enchem de mimos e os sobre-protegem (muitas vezes, isto pouco ou nada tem de antropomórfico); mas, na verdade, há tanta ou mais humanização de cães na forma como eles são castigados...
Posto isto, o primeiro conselho ou afirmação de posição desta semana será o seguinte: deixe cair a preocupação em definir se o seu cão sabe ou não o comportamento em causa; não que seja uma falsa questão, mas é algo que não traz benefícios, e levanta perigos potenciais. Em vez de pensar em termos de "será que o meu cão sabe isto?", pense em termos de aperfeiçoamento contínuo do comportamento. Qual a importância de saber se o seu cão sabe o comportamento X comparada com a importância de treinar, repetir e aperfeiçoar esse comportamento?
O maior dos perigos em pensar em termos de "saber ou não saber" consiste na estipulação de um ponto ideal no qual o cão atinge esse "saber", e a partir do qual qualquer falha é vista como desobediência e já não como ingenuidade. Tal como se pretenderá ilustrar no próximo texto, esse ponto que determina o "saber" de um determinado comportamento é uma enorme ilusão, essa baliza é uma completa ficção. O pior é que é uma ficção que vai originar consequências bem reais.

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