tag:blogger.com,1999:blog-82759958303156039262024-03-05T09:35:51.614-04:00AbacaxiComo o nome indica, um blog sobre cães e a sua educaçãoldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.comBlogger43125tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-81743309179269185312013-09-01T17:59:00.001-03:002013-09-01T18:12:53.515-03:00Aprendizagem contínua e reforços diferenciais<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas, então, que outra forma de abordar a educação dos nossos
cães existe? Que alternativa ao paradigma de "ensinar" o cão
até <i>saber</i> um comando?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A aprendizagem tem de ser contínua. Não deveria haver sequer
dúvidas em perceber o alcance desta ideia. Quando achamos que o cão já sabe
isto ou aquilo, deixamos de providenciar boas consequências para o
comportamento, e este, com o tempo, acaba por se extinguir. Afinal, não é
justamente o processo que faz com que os maus comportamentos se extingam? Não é
justamente por deixarmos de fornecer boas consequências para o mau
comportamento que este se vai apagando? Pois bem, o mesmo se<i> </i>passa
com os bons comportamentos. Se os tomarmos como garantidos e não continuarmos a
fornecer boas consequências para eles, esses bons comportamentos vão
desaparecendo, ou, pelo menos, vão perdendo solidez.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E não é só isso. Como se vem defendendo ao longo dos textos
do Abacaxi, ensinar o nosso cão é a melhor forma de comunicarmos e de nos
relacionarmos com ele. Ensinar um cão é estimulá-lo; é dar-lhe cada vez maior
intimidade com a linguagem dos seus donos; é tornar a sua vida repleta de
novidades; é enriquecer o ambiente em que ele vive. Mesmo quando nos limitamos
a "cuidar" de um cão, sem, aparentemente, lhe estar a ensinar nada em
concreto, a verdade é que estamos continuamente a transmitir-lhes informações.
Quer queiramos, quer não, os nossos cães estão em permanente aprendizagem.
Sendo assim, não faz sentido não nos integrarmos, activamente, nesse processo
de aprendizagem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Claro que isto em nada contradiz o paradigma do "o meu
cão já sabe sentar". Quem segue essa linha de educação do seu cão pode
sempre seguir para novos comportamentos, depois de já ter "adquirido"
um outro. Pode sempre ir acumulando novos e novos comportamentos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas quando falo em aprendizagem contínua, refiro-me também,
e sobretudo, à aprendizagem de um só comportamento. E isto qualquer pessoa
compreende. Ensinem o vosso cão a ladrar ao comando; e, assim que ele começar a
responder, passem dois anos sem praticar o comando. Depois peçam-no novamente
como se o tivessem ensinado ontem. Por certo ele não responderá, ou, no melhor
dos cenários, responderá com enormes dificuldades. Ou seja, toda a gente sabe
que é preciso ir praticando os comportamento (pretensamente) adquiridos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas existe uma enorme diferença de atitudes e de efeitos
entre (i) praticar um comportamento adquirido e (ii) manter o processo de
aprendizagem em contínuo. Desde logo, como já dissemos nesta semana, quando
assumimos um determinado comportamento como adquirido, reagimos de forma muito
mais "reactiva" quando o cão não responde ao pedido. Mas não só.
Muitas vezes, descuramos as consequências para os comportamentos. Um exemplo.
Treinamos o nosso cão a responder à chamada. Despendemos vários meses a solidificar
o comportamento. Até ao dia em que, contabilizando, o comportamento atinge um
grau satisfatório para o dono. Bom, o que se segue? O comportamento é dado como
adquirido, então, o dono limita-se a chamar o cão, sem fornecer consequências
adequadas. O dono chama, o cão vem, e o dono nada faz de especial (quando
muito, lá sai uma festinha ou uma palavra afectuosa). E porquê? Justamente,
porque o comportamento é interpretado como sendo adquirido. Pouco tempo depois,
todavia, aquilo que se considerara adquirido demonstra ser muito frágil e
volátil; em outras palavras, o cão deixa de responder à chamada. Simplesmente,
não podemos deixar de fornecer consequências positivas para os comportamentos
desejados. E isto implica uma difícil mudança de paradigma na forma de encarar
a educação dos nossos cães; implica pôr de lado a ideia de comportamentos
adquiridos, e enveredar por uma educação contínua.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Só que, claro, não podemos manter o mesmo tipo de <i>feedback</i> para
empre. Não podemos usar sempre as mesmas recompensas, e não deveremos
recompensar sempre um comportamento que consideramos "entranhado". Se
recompensarmos sempre que o nosso cão se senta, e se o fizermos sempre da mesma
forma, não só estaremos a tornar todo o procedimento previsível e monótono,
como estamos a selar a sentença para que esse comportamento fique completamente
estagnado. E quando um comportamento estagna, isso não significa que se
solidifique e se mantenha fiável; significa que as motivações para esse
comportamento deixarão de ter significado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como resolver este aparente paradoxo? Como ultrapassar a
aparente contradição que há entre (i) termos de dar constante e contínuo <i>feedback</i> aos
comportamentos dos nossos cães e (ii) não podermos recompensar um comportamento
para sempre, indefinidamente? De facto, à primeira vista parece mesmo haver uma
incompatibilidade entre as duas "exigências". A chave para a
resolução do problema está na noção de <i>diferencial. </i>Como se
sabe, os sinais de que uma dada economia local está "de boa
saúde" num determinado momento não têm a ver com a riqueza gerada em termos
absolutos, mas em termos relativos, isto é, têm a ver com o crescimento que
houve em comparação com um outro momento determinado. Da mesma forma, para que
haja produção de energia, é necessário que haja um diferencial de potências
entre dois pólos. Quando um professor fica entusiasmado quando um seu aluno
sobe de um 13 para um 16, e fica desapontado quando um outro desce de um 18
para um 16, tudo isto faz imenso sentido, e tem a ver com a lógica diferencial:
não importa tanto o conhecimento e as capacidades adquiridos que um aluno
demonstrou num determinado dia; importa sim acompanhar e promover a evolução
desse aluno, gerando níveis de motivação que o levem a manter-se
interessado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na aprendizagem dos nossos cães, a coisa não é distinta.
Manter um cão motivado e fazê-lo entrar num processo de aprendizagem contínua
implica que adoptemos a lógica diferencial para a comunicação que encetamos com
os nossos cães. Assim, em vez de estipularmos um ponto definido que, uma vez
atingido, significaria que o nosso cão "saberia", em termos de
aquisição, um determinado comportamento, talvez fosse preferível inventar novas
formas de melhorar o comportamento. Se o nosso cão já senta em casa sem
distracções, aumentamos as distracções. Se já senta com distracções, repetimos
os exercícios fora de casa. E depois incluímos distracções. E depois aumentamos
as distracções. E depois aumentamos a distância a que proferimos a deixa
verbal. E depois aumentamos ainda mais. E depois pedimos que o nosso cão
permaneça sentado durante mais dois segundos do que o normal. E depois mais
quatro. E depois mais distância. E ainda mais segundos... e mais distracções.
Depois, integramos o 'senta' numa série de comportamentos diferentes, e
recompensamos apenas a série de comportamentos, e não apenas o comportamento
isolado. Depois variamos a série, e modificamos a sequência, tornando-a
imprevisível. E depois... e depois... O que importa é que estipulemos uma regra
essencial para a educação do nosso cão: a regra do <i>n+1</i>. Por cada
patamar <i>n</i> que atinjamos, haverá sempre um superior a
atingir. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim, vemos que a aprendizagem contínua não significa
aprendizagem estável; em ordem a manter a aprendizagem num processo contínuo, é
necessário providenciar consequências diferenciais. Deste modo, é possível
estipular formas de avaliar o comportamento do nosso cão segundo parâmetros
distintos do "sabe ou não sabe": tais parâmetros são "melhor do
que a média, igual à média, inferior à média". Se um cão obteve <i>x </i>desempenho
das últimas vezes, o objectivo no próximo exercício será que ele atinja <i>x+1</i>,
isto é, um melhor desempenho. É a isto que se refere Ian Dunbar quando fala de
reforços diferenciais: quando o nosso cão tem um desempenho igual ao normal,
não vale a pena recompensar com algo superior a uma simples palavra de apreço,
uma espécie de "gesto de cortesia" que dê a saber ao nosso cão que
reparamos e agradecemos o comportamento, mas sem fazer dessa resposta o máximo
que o nosso cão nos poderá dar; quando o nosso cão tem um desempenho melhor do
que o normal, aí sim, reforçamos significativamente! Sendo que este
"melhor do que o normal" em breve se tornará "o normal", e
deixará de ser reforçado dessa forma: o reforço significativo surge apenas quando
surge o <i>+1</i>, isto é, o <i>melhor do que a média</i>. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No fundo, usamos a mesmíssima lógica que toda a gente usa
para recompensar um cão quando começa a aprender um comportamento. Reforçamos
quando ele tem o comportamento correcto para que ele se torne "a
norma". A diferença é que não estabelecemos um ponto final no processo de
aprendizagem. Mantemos esse processo para sempre, reforçando os comportamentos
melhores do que a média e nunca dando como adquirido e solidificado um
comportamento. Não conheço forma melhor de manter um comportamento activo e um
cão motivado para o realizar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Outra regra de ouro. Tudo isto pode soar a algo muito
desgastante, para o dono e especialmente para o cão. Tudo isto pode parecer uma forma de forçar os nossos cães a tarefas indesejadas por eles. Não tenho dúvidas de
que todo este discurso parecerá, para muitos, um exagero ou mesmo um certo
abuso. Em relação a essas reticências possíveis, eu relembro que, mediante este
processo de aprendizagem contínua com reforços diferencias, nunca obrigamos o
cão a nada. Na verdade, é justamente a melhor forma que conheço de evitar
recorrer a formas de aprendizagem "forçada" ou "por
obrigação". Trata-se simplesmente de manter o cão motivado. Haverá cães
cuja evolução seja mais lenta, e cuja motivação seja mais difícil. Tudo bem. Já
se sabe que todo o processo terá de ser adaptado a cada cão. Mas isso não muda
uma vírgula à <i>forma geral</i> do processo. Haverá cães que levarão uma vida toda a
alcançar um patamar inicial de dificuldade, e haverá outros para os quais o
grande desafio consiste em imaginar níveis de dificuldade cada vez maior. Mas
nenhum cão pode ser considerado inapto para cumprir um plano de aprendizagem de
tipo <i>n+1. </i>A regra a adoptar deverá ser sempre, então, usar o treino como forma de motivar a continuidade do treino, e nunca forçar nada. </div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A grande vantagem deste método, já a referi: acabam-se as
desculpas para se iniciar a fase dos castigos premeditados, acabam-se os
pretextos para encetar a fase da "pressão activa", acaba-se o
ressentimento perante os cães que, pretensamente, já sabem um comportamento só
que, do alto da sua "teimosia", insistem em não cumprir. Numa
palavra, acabam-se as razões para mantermos uma relação conflituosa com os
nossos cães, e sublinham-se os motivos para fortificar uma relação baseada na
cooperação. <o:p></o:p><br />
Muitas vezes ouvimos falar numa inevitabilidade de uma fase de pressão, na qual o cão deverá conhecer um certo nível de obrigação. Isto talvez seja legítimo se estivermos num esquema de treino que estipule um determinado comportamento como adquirido (os tais 80% ou 90%). Aí, como se dá um determinado comportamento como adquirido, torna-se muito difícil ultrapassar a fasquia a que se chegou, desde logo porque o nível de recompensas já não consegue motivar mais o cão. Então, torna-se necessário iniciar uma nova fase de "motivações", agora baseadas em castigos e pressões.<br />
Mas, mediante o tipo de treino a que vimos denominando como <i>n+1</i>, ou <i>diferencial</i>, essa fase de pressões e castigos torna-se desnecessária. Por definição, desnecessária. Ao aumentarmos a fasquia do desempenho, o cão permanece motivado para realizar os comportamentos. Esta é a grande diferença.</div>
ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-14366521513162843792013-08-29T08:09:00.000-03:002013-08-29T08:09:00.340-03:00Sentar? mas o que significa sentar?<div style="text-align: justify;">
<i>«Ai, que grande que ele está. Já tem quê, 6 anos?»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Oito, o Pedro já tem oito anos.»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Oito?! Como o tempo passa...»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«É.»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Mas então, já anda, quê?, no terceiro ano? Então já sabe ler, certo?»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Sim, já.»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Pronto. Tenho aqui uma cópia da Odisseia, queres que ta empreste para leres agora nas férias?»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Não, obrigado.»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Pedro! Não ligue, ele é muito teimoso... »</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Lá porque um cão senta lá em casa, sem distracções por perto, e quando ouviu um barulho muito parecido com o que faz o saco de ração quando é aberto, isso não quer dizer que ele esteja preparado para se sentar num jardim, com 15 cães a correr em liberdade e um lago de patos ali à frente. Numa fase inicial, o cão poderá já responder bem ao comando 'senta' na cozinha, mas ainda ter alguma dificuldade em fazê-lo na sala, onde o piso é completamente diferente, por exemplo. Qualquer cão já poderá sentar perfeitamente numa situação de exercício ou treino, na qual ele se encontra altamente motivado e concentrado; mas esse mesmo cão poderá não sentar à primeira (nem à segunda, nem à terceira...) se tiver com os olhos e nariz postos noutro motivo de interesse qualquer. Para evitar este desfasamento entre diferentes situações, é preciso treinar adequadamente. Mas a questão é que não podemos inferir que o "cão sabe sentar" só porque já responde a esse comando em circunstâncias definidas. </div>
<div style="text-align: justify;">
Então, a pergunta que se coloca é: quando é que podemos afirmar que o cão <i>já sabe sentar</i>? A resposta que eu prefiro já foi dada no texto anterior: essa não é uma boa questão. É infrutífero e até perigoso estabelecer este tipo de parâmetros e perguntas baseadas em "saber se o cão já sabe" isto ou aquilo. Se o cão já senta, em casa, 80% das vezes, mas apenas 20% das vezes na rua, que valor é que poderíamos dar, no cômputo geral, à resposta ao comando 'senta'? Que factor atribuir a cada um dos contextos? E se os 20% das vezes que se senta na rua tiver um grande diferencial entre vezes que se senta à noite e de manhã, entre as vezes que se senta num jardim, ou no passeio à frente de casa, etc.? Que valores podemos dar? Obviamente, este tipo de quantificação é absolutamente vago e inconsequente. Independentemente da boa vontade que esteja por detrás de afirmações do tipo "o meu cão já responde à chamada em 70% das vezes", a verdade é que este tipo de quantificação serve apenas como pretexto para que se inicie a fase das correcções, ou, como se costuma dizer pelo "meio", a <i>fase da pressão</i>. Tudo para polir os pontos percentuais que faltam para os 100. </div>
<div style="text-align: justify;">
Tal como é muito diferente ler o texto do manual de leitura do 3.º ano e ler 600 páginas de um clássico literário, também é muito diferente para um cão responder a um comando dentro de casa ou num parque cheio de distracções. A questão, parece-me, passa por não estipular nenhum ponto definido que, uma vez atingido, nos permitisse dizer que o cão "já sabe" o comando em causa. Em vez disso, o aconselhável é pegar no que já se conseguiu transmitir e ensinar, e elevar a fasquia. Manter vivo e dinâmico o processo de aprendizagem do nosso cão. Em vez de assumir que o cão já sabe o comando e, a partir daí, começar a pressioná-lo para "melhorar" as suas respostas, penso ser preferível não cair nesse tipo de assunções e continuar o processo de educação. As pressões tornam-se desnecessárias, só é preciso saber motivar. Se se usou um tipo de motivação dito positivo para se chegar ao ponto dos tais - ilusórios - 80% de respostas, por que razão começar, a partir daí, um jogo de pressões e obrigações? Por que não manter o registo das motivações positivas para melhorar, e melhorar, e continuar a melhorar? Só mediante este método é que podemos entregar ao cão os limites da sua aprendizagem. Mediante o método que combina uma primeira fase de motivação com uma segunda fase de pressão (na qual o cão aprende a responder "por obrigação"), corre-se, entre outros, o sério risco de nos perdermos e deixar de distinguir os limites do próprio cão; isto porque, se estabelecemos os tais 80% como ponto de viragem no tipo de método usado, começa a tornar-se difícil reconhecer quando é que o cão já atingiu os seus limites, e quando já só está a responder por compulsão de escape (tradução livre para Escape and Avoidance Conditioning), ou seja, quando o cão já só responde pelo seu mecanismo que o faz evitar ou fugir de elementos de pressão stressante. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A falta de necessidade da fase de pressões e obrigações começa na vagueza e ilusão em que consiste o pretenso ponto ideal a partir do qual poderíamos dizer que um cão sabe o que se lhe está a pedir. Uma vez mais: este é um fraco modelo para lidarmos com o comportamento de um cão. Nós podemos avaliar o nosso conhecimento de certas coisas em termos de saber. Mas na nossa espécie é possível avaliar um aspecto tão singular como o conhecimento independentemente da componente comportamento; isto é, avaliar o que sei sobre um determinado tema não implica nada, ou praticamente nada que se possa denominar comportamento. O mesmo não se passa com os nossos cães. Neles, há comportamento. E pronto. Logo, o que há, não é "saber ou não saber", mas motivação. Pura e simples motivação para o comportamento. O segredo de treinar um cão está na construção de uma paleta variada de formas de motivação, da qual poderemos sempre retirar uma que nos dê jeito numa determinada situação, e uma outra que nos dê jeito numa situação diferente. Com o tempo, é totalmente conveniente que desta paleta faça parte o nosso tom de voz. Com duas cláusulas: que saibamos revestir o nosso tom de voz de uma força motivacional normalmente associada a consequências naturalmente motivantes; e que essa forma de motivação seja apenas uma entre várias outras. </div>
ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-87829738326955102862013-08-27T09:54:00.000-03:002013-08-28T18:19:32.130-03:00Saber? mas o que significa saber?<div style="text-align: justify;">
Seria muito melhor se apagássemos esta palavra do nosso reportório de termos relativos à educação de cães. É muito pantanoso o terreno daquilo que um cão <em>sabe</em> e <em>não sabe</em>; nunca se sabe muito bem o que é que eles <em>sabem</em>, nem sabemos sequer se essa é uma forma fiel de representar o modo cognitivo de um cão. Saber? Hm, prefiro concentrar-me no comportamento, especificamente no comportamento. </div>
<div style="text-align: justify;">
É claro que podemos usar o termo 'saber' de forma lata, mesmo mantendo todas as interrogações que levantámos. Mas a questão é que o facto de lidarmos com o comportamento dos cães em termos de saber e não saber leva-nos a pontos que são tudo menos benéficos na nossa relação com eles. Leva-nos, por exemplo a moldar o tipo de castigos que usamos. Por exemplo, quando "achamos" que o nosso cão não sabe muito bem o que fazer, e faz algo de inconveniente, usamos formas de castigo mais leves (castigos positivos brandos, como time-outs ou repreensões brandas), ou limitamo-nos a interromper o comportamento inadequado (castigo negativo); mas quando "achamos" que o cão já sabe o que pretendemos e, ainda assim, faz algo inapropriado, a nossa tendência é ver nesse comportamento uma certa forma de desrespeito, e respondemos à altura, intensificando o castigo. </div>
<div style="text-align: justify;">
Ora, o problema em tudo isto é que a eficácia do castigo (única razão pela qual um castigo deve sequer existir) é subtilmente substituída por uma questão de justiça. Isto é, em vez de usarmos o castigo como forma simples de comunicar com o nosso cão e fazer com que o comportamento inadequado deixe de ocorrer no futuro (questão prática e de eficácia), passamos a usar o castigo como forma de estabelecer um certo equilíbrio justiceiro (questão moral e de ressentimento), do tipo: "ele sabe que está a proceder mal, logo, tem de sofrer consequências». E isto estende-se até à primeira fase de aprendizagem: num ápice, as razões pelas quais não estamos a castigar os nossos cães nas primeiras fases de aprendizagem também se tornaram razões de ordem moralista e de justiça: "oh, coitadinho, ele ainda não sabe". </div>
<div style="text-align: justify;">
Quando moralizamos a educação dos nossos cães e a envolvemos em preceitos justiceiros, estamos a antropomorfizar os nossos cães. É curioso que apenas se pense na humanização dos cães quando os donos os enchem de mimos e os sobre-protegem (muitas vezes, isto pouco ou nada tem de antropomórfico); mas, na verdade, há tanta ou mais humanização de cães na forma como eles são castigados...</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Posto isto, o primeiro conselho ou afirmação de posição desta semana será o seguinte: deixe cair a preocupação em definir se o seu cão sabe ou não o comportamento em causa; não que seja uma falsa questão, mas é algo que não traz benefícios, e levanta perigos potenciais. Em vez de pensar em termos de "será que o meu cão sabe isto?", pense em termos de aperfeiçoamento contínuo do comportamento. Qual a importância de saber se o seu cão sabe o comportamento X comparada com a importância de treinar, repetir e aperfeiçoar esse comportamento? </div>
<div style="text-align: justify;">
O maior dos perigos em pensar em termos de "saber ou não saber" consiste na estipulação de um ponto ideal no qual o cão atinge esse "saber", e a partir do qual qualquer falha é vista como desobediência e já não como ingenuidade. Tal como se pretenderá ilustrar no próximo texto, esse ponto que determina o "saber" de um determinado comportamento é uma enorme ilusão, essa baliza é uma completa ficção. O pior é que é uma ficção que vai originar consequências bem reais. </div>
ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-30242282809377806202013-08-26T07:38:00.000-03:002013-08-26T07:38:00.537-03:00... e depois começam os castigos<div style="text-align: justify;">
<em>«Em primeiro lugar, começamos por treinar os nossos cães apenas com recurso a recompensas. Esta é a fase em que ensinamos os comportamentos»</em></div>
<div style="text-align: justify;">
<em>«Certo...»</em></div>
<div style="text-align: justify;">
<em>«Depois, certificamo-nos de que o cão sabe o comportamento, isto é, certificamo-nos de que ele sabe o que o nosso comando quer dizer»</em></div>
<div style="text-align: justify;">
<em>«Hm..., e quando é que isso acontece?»</em></div>
<div style="text-align: justify;">
<em>«Quando o cão já responde a 80% dos comandos.»</em></div>
<div style="text-align: justify;">
<em>«Hm,... e depois?»</em></div>
<div style="text-align: justify;">
<em>«Aí começamos um trabalho de correcção do mau comportamento.»</em></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Por esta altura, eu arriscaria dizer que o caro leitor estará à espera que nos concentremos nesta última afirmação. A expectativa criada na epígrafe levá-lo-á a pensar que este texto tratará da questão da correcção do mau comportamento, e da sua necessidade ou falta dela. Bom, de certa maneira, sim, podemos dizer que as correcções estarão na baila, mas apenas em modo residual. </div>
<div style="text-align: justify;">
O problema naquele diálogo epigráfico não reside na aplicação dos castigos correctivos, mas na afirmação que antecede essa aplicação e que a justifica. O problema de que se vai tratar está na ideia de que existe um momento determinado em que o cão <em>sabe o comportamento</em>. Melhor ainda, o problema está na interpretação dos 20% de falhas de resposta como demonstrações de desobediência. Numa palavra: vamos falar do grande equívoco que reside na ideia de que, quando um cão já responde a um número significativo de vezes a um comando, ele já <em>sabe</em> o que se pretende dele, e vamos falar no consequente, e ainda maior, equívoco de que sempre que o cão não responde ao comando que, pretensamente, já sabe, ele estará a entrar num incumprimento ou em desobediência.</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Quatro notas prévias, que ajudarão a dar maior precisão ao intuito de todo este texto: (i) um treinador ou amador cultivado que segue um modelo como aquele exemplificado no texto epigráfico tem o mérito de conhecer e saber aplicar a lei geral de aprendizagem a treino do seu cão (basicamente, conhecer e saber aplicar a lei básica de que o comportamento é moldado em função do tipo de consequências que lhe seguem com mais frequência); (ii) um treinador ou amador cultivado que segue esse modelo de treino tem o segundo mérito de seguir um esquema educativo do cão no qual estabelece um ambiente propício para situações de treino, e não se limita a ir educando o seu cão à medida que os dias vão passando e os problemas surgindo; (iii) não se pretende, de todo, insinuar sequer que não se deve corrigir o mau comportamento; e (iv) o tipo de correcção aplicada administrada àqueles 20% de "falhanços" tanto pode ir do mero castigo negativo ou da repreensão verbal, até ao esticão mais rude de estranguladora, passando por formas leves de "time-outs" ou choques eléctricos de intensidade reduzida. Não interessa. O problema não são os castigos; o problema não está na conclusão de que teremos de passar a uma fase de castigos ou de pressão. O problema está na premissa que motiva essa conclusão: o problema está na ideia de que um cão <em>sabe</em> o que se espera dele quando atinge uma determinada taxa de sucesso na resposta a um determinado pedido/comando, e que quando a resposta não surge (ou surge de forma desajustada), o cão simplesmente está a desrespeitar, de alguma forma, a indicação que lhe foi dada. E essa conclusão, já a vi ser elaborada tanto por treinadores que usam predominantemente formas de castigos como motivação para o treino, quanto por treinadores especialmente concentrados nas recompensas.</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
É por isso que considero urgente recuar um passo no raciocínio, e analisar séria e criticamente aquela premissa que nos dirige para esta conclusão precipitada. É preciso questionar o que é isso de o cão "saber" um comportamento, e compreender os potenciais perigos desta ilação. É isso que se tentará fazer aqui no abacaxi ao longo desta semana. </div>
ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-54017495340268632312013-08-24T09:04:00.000-03:002013-08-24T09:04:04.000-03:00Imagine, uma vez mais<div style="text-align: justify;">
Imagine, hoje, que tinha um cão que era um candidato a ser cão de assistência. Tal cão cumpria todos os requisitos exigidos com a excepção feita para a forma como se relacionava com outros cães. Para passar num eventual teste que lhe conferiria o estatuto desejado, faltar-lhe-ia dar provas de que seria capaz de lidar com a presença próxima de outros cães. Mas, para já, tratava-se de um cão reactivo perante cães estranhos. </div>
<div style="text-align: justify;">
Posto isto, decide contratar os serviços de um profissional que ajudasse o caro leitor a tornar o seu imaginário cão num cão amigável para os outros cães.</div>
<div style="text-align: justify;">
Agora imagine que todo o trabalho realizado nesse sentido consiste numa única sessão na qual o seu cão seria levado para junto de um grupo de dezenas de outros cães, sem qualquer apresentação ou exposição gradual. Imagine que nessa sessão, previsivelmente, o cão imaginário permanece absolutamente tenso de princípio ao fim e, eventualmente, chega mesmo a haver uma escaramuça com um dos outros cães. </div>
<div style="text-align: justify;">
Por fim, imagine que o teste decisivo para o seu cão se tornar um cão de assistência consistia em levá-lo para um ambiente de lojas comerciais, onde já havia provado ter um comportamento exemplar. Sem surpresas, o seu cão passa o teste. O treinador imaginário que havia contratado declara o caso como extremamente bem sucedido.</div>
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</div>
<div style="text-align: justify;">
Ora, como é que reagiria o caro leitor perante esta situação? </div>
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</div>
<div style="text-align: justify;">
Concordaria com o profissional, e acharia que todo o caso havia sido bem trabalhado e teria chegado a fins bem sucedidos?</div>
<div style="text-align: justify;">
Ou acharia que o seu cão continuava com o mesmíssimo problema que tinha no início do processo?</div>
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</div>
<br />
<br />
ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-74840794305279806182013-08-15T08:17:00.000-03:002013-08-15T08:17:00.414-03:00Que horas são?<div style="text-align: justify;">
<i>«Bom, depois de sair de casa, tanto faz demorar 15 minutos como duas horas; o seu cão não notará diferença.»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Ai, sim? Mas então porquê?»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«É que os cães não têm percepção do tempo.»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Ah...»</i></div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O que é mais espantoso neste diálogo nem é a falsidade da afirmação acerca da percepção do tempo que os cães têm ou deixam de ter; o mais espantoso é a forma como esta e outras afirmações são feitas sem qualquer tipo de fundamento adequado. </div>
<div style="text-align: justify;">
A última vez que ouvi alguém dizer que os cães não têm percepção do tempo, perguntei à pessoa se baseava essa afirmação em algum dado minimamente fundamentado, se tinha lido isso em algum lado; a resposta foi qualquer coisa como:</div>
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<br /></div>
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<i>«...eu não preciso de ler nada; quando falo não é com base no que leio, mas com base na experiência que tenho com os meus cães.»</i></div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Isto, quanto a mim, reproduz com extrema fidelidade a razão que leva à formação de grande parte dos mitos relativos à educação de cães. As pessoas universalizam aquilo que é e só pode ser relativo e particular; as pessoas elevam à qualidade de lei aquilo que obtêm na própria experiência. As consequências são muito graves.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não há nada de mal em dizermos que "todos os meus cães" preferiram frango a salsicha; tudo bem. Outra coisa bem diferente é dizermos que, normalmente, "todos os cães" preferem frango a salsicha. Este tipo de afirmação a tender para o universal e de teor objectivo só pode resultar de estudos controlados e rigorosos; não pode, nunca, basear-se num conjunto muito limitado de experiências, muito menos quando essas experiências não obedecem a uma só exigência de cientificidade. </div>
<div style="text-align: justify;">
Quando, numa discussão acerca de comportamento de cães, se introduzem conteúdos científicos e se apela a uma atitude crítica, normalmente é-se acusado de arrogância e esterilidade. Ora, arrogante é aquele que ambiciona formar um tipo de conhecimento dispensando aquilo que os outros têm para dizer, nomeadamente quando o outro é o corpo da ciência. Estéril é o diálogo entre dois indivíduos que baseiam as ideias que debatem no que "sempre ouviram dizer". Uma coisa é desconhecermos alguma coisa, de forma inocente, e incorrermos em certos enganos por causa desse desconhecimento: não há mal nenhum; fazemo-lo a toda a hora, a respeito de qualquer tema. Outra coisa bem diferente é construirmos uma série de "conhecimentos" sobre um tema com base numa arrogante insistência em não querer saber o que é que a ciência realmente diz acerca desse tema. Podemos até discordar do que é dito no discurso científico; não podemos é dar-nos ao luxo de ignorá-lo e achar que sabemos tudo. E, já agora, para discordar desse discurso, convém que me apoie numa base sólida e crítica. Convirá que me informe. Tal como já disse neste blog: não é por ter um convívio diário com os meus dentes há já muitos anos que posso ambicionar ter conhecimento acerca da ciência dentária...</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas, e então, os cães têm ou não percepção do tempo?</div>
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<br /></div>
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Se, em vez de cedermos à tentação de ir na corrente do diz-que-disse-com-ares-de-pensamento-contra-corrente, puséssemos realmente o nosso espírito crítico a funcionar, facilmente concluiríamos que, muito provavelmente, algum tipo de percepção diferencial do tempo os cães deverão ter. Se os cães não tivessem, de todo, percepção do tempo, não haveria todos estes vídeos de cães que ficam em êxtase quando se reencontram com os seus donos que partiram e estiveram ausentes durante meses. Se não tivessem qualquer tipo de percepção do tempo, não haveria dificuldade em deixar os nossos cães em casa por longos períodos, e não haveria cães com ansiedade por separação. Deixar um cão sozinho por cinco minutos e deixá-lo por quatro horas não é a mesma coisa, e ninguém com o mínimo de sensatez poderá negá-lo. Quanto mais não fosse, as necessidades físicas de urinar, defecar e alimentar-se dariam ao cão algum tipo de impressão da duração e da passagem do tempo. </div>
<div style="text-align: justify;">
Mas se o espírito crítico do caro leitor estiver enferrujado, e precisar de mais dados acerca do tema, então vejamos. Patricia McConnell dedica<a href="https://www.patriciamcconnell.com/theotherendoftheleash/do-dogs-know-how-long-weve-been-gone" target="_blank"> um "post" do seu precioso "blog"</a> a este tema. Nele, menciona-se um estudo elaborado por Therese Rehn e Lindsay Keeling no qual se reuniu uma amostra cientificamente significativa de cães que foram deixados sozinhos em casa por períodos de 30 minutos, 2 horas e 4 horas. Entre outras conclusões, descobriu-se que a diferença da reacção dos cães à chegada dos respectivos donos varia muito quando eles estão sozinhos apenas por 30 minutos e quando a ausência dos donos é de duas horas. Curiosamente, a reacção não difere, em termos práticos, das duas para as quatro horas de ausência. Ora, 30 minutos, claramente, não são o mesmo que duas horas. E como interpretar a indistinção nas reacções que os cães tiveram quando deixados sozinhos 2 horas e quando deixados sozinhos 4 horas? Podemos ter aqui uma certa prova de que a percepção do tempo que os cães têm é diferente da nossa; mas será que as nossas reacções são assim tão diferentes quando alguém que amamos demorou 2 horas ou 4 horas a voltar? </div>
<div style="text-align: justify;">
Bom, que as percepções do tempo que nós temos e aquela que os cães têm serão muito provavelmente diferentes, é algo que todos nós aceitaremos quase sem pensar. Afinal, mesmo dentro de culturas diferentes da espécie humana, a percepção do tempo é tida como sendo diferente. Por que não o haveria de ser entre membros de espécies diferentes? Mas o facto de os cães terem percepção do tempo diferente da dos humanos não significa, de todo, que não tenha qualquer tipo de percepção do tempo.</div>
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<br /></div>
<br />ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-50595447933164042382013-08-09T06:17:00.000-03:002013-08-13T11:13:48.998-03:00Centrão, quinta e última parte<div style="text-align: justify;">
<i>«...pois é, e também não podemos nunca estar por debaixo deles, senão eles pensam que mandam lá em casa».</i></div>
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<br /></div>
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Os meus olhos deverão ter saído das órbitas quando me voltei para ver qual o genial proferidor de não menos genial afirmação, e reparei que o mesmo era nada mais nada menos do que dono de um Dogue Alemão. As dificuldades por que aquela família não deve passar... apertar atacadores e apanhar coisas do chão estão absolutamente fora de questão. Pelo menos com o cão por perto. E imagino a altura em que as camas e sofás não estarão!</div>
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<br /></div>
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Ora bem, este último dos textos dedicados à ideologia do meio-termo vai incidir sobre as práticas concretas que fazem com que um dono se estabeleça como alfa e não como outra letra qualquer. 90% das vezes que este discurso é proferido, ele é revestido por uma essencial vagueza. Tudo é uma questão de se ser líder da matilha; mas tanto o que é isso do líder da matilha quanto a forma como um dono chega a tal ascético pedestal permanecem numa irremediável vagueza de explicações. Temos de ser calmos; temos de ser assertivos; temos de emanar uma energia de líder; temos de manter uma postura corporal de líder. Bom, a menos que o caro leitor seja fã de livros de auto-ajuda espiritual e navegue pelas hordas da New Age, estou certo de que a única reacção que estas expressões lhe sugerirão serão um valente bocejo de desprezo. Vago. Vago. Vago. E vago. Tais directrizes não querem dizer absolutamente nada de concreto.</div>
<div style="text-align: justify;">
E quando pedimos para que este discurso seja mais concreto, que brilhantes são as pérolas com que nos brindam.</div>
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<br /></div>
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Para tentar manter a seriedade no tema, recorramos à fonte que, apesar de tudo, ainda merece respeito na forma crítica, sistemática e frontal como tenta abordar o assunto do treino de cães (embora nem sempre o consiga).</div>
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Segundo o sistema Leerburg, um líder de matilha tem de <a href="http://leerburg.com/puppygroundwork.htm" target="_blank">comer sempre antes</a> dos outros membros. Esta é uma das leis mais firmes e conhecidas desta "ideologia". Tanta e tanta gente pensa e pratica esta lei. O que acontece quando o líder da matilha não tem fome, mas já são horas de dar a comida ao canito? O líder da matilha entafulha-se com uma sandes improvisada só para manter a mensagem para o seu cão? Ou chegam umas bolachitas de água e sal? Um copo de água certamente não será suficiente, mas e se tiver umas vitaminas, será que o cão já considerará que está a comer depois do seu líder? Ou poderemos estar a cair no gravíssimo perigo de o nosso cão perceber que, afinal de contas, ele é que é o líder? O líder da pessoa que acabou de lhe dar a comida, note-se... E então o que acontece nas famílias que têm horários diferentes? Todos os membros da família devem estar acima do cão na hierarquia, certo? Então devem comer todos ao mesmo tempo, e o cão depois? Mas e quando um dos elementos não está? O filho que foi jantar fora, ou a filha que está em casa de uma amiga... Eles jantam por skype, para que o cão tenha a certeza que come depois deles? (Curiosamente, Ed Frawley resolve este problema facilmente: o resto da família não é líder do cão; só ele. Eu pergunto: ora, se só um membro da família é o líder, e se ser o líder da matilha é condição exclusiva para que o cão não se torne num feroz canino dominante, então não será agressiva e dominantemente que esse cão irá interagir com o resto da família?)</div>
<div style="text-align: justify;">
Outra coisa curiosa: o sistema Leerburg defende o "crate training" como forma de limitar as liberdades iniciais do cão ou cachorro que chega a nossa casa; e a forma de fazê-lo passa por alimentar o cão de cada vez que o queremos colocar lá dentro. Partindo do princípio que o cão não vai passar 7 ou 8 horas metido numa caixa-transportadora, ele vai entrar e sair várias vezes da "crate" ao longo do dia. Ora, imagine a quantidade de lanches que o caro leitor não vai ter de fazer para comer sempre antes do seu cão...</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Uma <a href="http://leerburg.com/whopetspuppy.htm" target="_blank">outra lei</a>: "não deixar ninguém fazer festas ou dar guloseimas ao meu cão; eu, enquanto líder, sou o único que o farei". Portanto, basicamente a ideia é eu ser o líder do meu cão por ausência de concorrência. Pelo sim pelo não, mais vale não deixar ninguém interagir com o meu cão, não vá ele gostar mais desse completo estranho que nunca viu na vida do que de mim. Isto é um líder firme e seguro? Epá, isto, no meu dicionário, é o sinal mais evidente de extrema insegurança.</div>
<div style="text-align: justify;">
A ideia, diz Frawley, é fazer do dono o centro do universo do cão. Isto até pode resultar sem problemas graves no caso de treinadores de cães e de outros que dedicam a quase totalidade do seu tempo para o seu cão. Mas para o resto dos comuns e mortais donos de cães, as horas diárias que o cão compartilha com o seu dono não são assim tantas; achar que uma pessoa que trabalha 7 horas por dia, dorme outras 7, ainda perde 2 horas em viagens, e ainda tem de fazer compras, levar e trazer o filho da escola vai ser o centro do universo do seu cão é sentença certa para que a vida e o ambiente desse cão sejam extremamente pobres. O donocentrismo é uma condição maligna de que muitos cães padecem; e muitos donos também. O mundo do seu cão não começa e acaba no dono - e ainda bem. Um cão com medo do camião do lixo não está a reflectir nenhuma insegurança do dono. O cão não é uma extensão do dono. Tem personalidade própria; tem gostos próprios; tem medos próprios. O dono pode é ajudar o cão a lidar com tudo isso. Mas não como se ele fosse uma extensão sua.</div>
<div style="text-align: justify;">
Impedir que o seu cão seja acariciado por estranhos, além de idiota em si própria, é uma ideia que vai resultar num cão muito mal socializado num futuro próximo. Depois quando o vosso cão morder a mão de uma pessoa que se aproximar, não estranhem... Nem reclamem: foi tudo a bem de se constituírem como o centro do universo do vosso cão. Haja boas prioridades.</div>
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<br /></div>
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Uma<a href="http://leerburg.com/groundwork.htm" target="_blank"> terceira, e mais conhecida lei</a>: nunca deixar o cão passar primeiro nas portas. Frawley, tal como tantos outros, afirma que passar primeiro nas portas <i>«embora possa parecer insignificante para nós, é coisa muito importante para um cão em termos de respeito»</i>. Eu pergunto: mas o que é que fornece tanta certeza a esta afirmação? Por que razão podemos afirmar que isto de passar em primeiro pelas portas é tão importante para um cão "em termos de respeito"? Este tipo de afirmações não se pode fazer sem que, pelo menos, haja acesso à contra-prova, ou seja, haja acesso ao comportamento que têm os cães que passam primeiro nas portas. Deduzindo que o próprio Frawley nunca tenha deixado os seus cães passar primeiro nas portas, para não correr o risco de ter de lidar, daí em diante, com um Führer de quatro patas lá por casa, eu de boa vontade poderei apontar alguns exemplares que passam nas portas primeiro que os donos, nomeadamente o meu próprio cão. Deixar um cão passar primeiro nas portas pode ser problemático ou mesmo perigoso; mas não por uma qualquer razão nebulosa ou mística. Se um cão sai disparado quando abrimos a porta de casa, isso pode causar problemas. Mas esses problemas estão directamente relacionados com a saída disparada pela porta fora; não tem nenhuma repercussão com uma pretensa relação hierárquica. Se o dono pretende algum rigor ou disciplina à porta, então ensine o seu cão a sentar e a esperar que o dono dê um sinal que permita que o cão passe na porta. Simples e directo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Além de infundado e particularmente lunático, este princípio não é cumprido por ninguém. Desculpem lá, mas eu não acredito que alguém, quando chega a casa e tira a trela ao seu cão, ande sempre à frente deste quando ele vai beber água à cozinha. "Ups, o Faísca entrou na sala, e eu ainda estou no corredor; é melhor esperar um ou dois minutos antes de entrar na sala, senão ele pode achar que eu estou a entrar <i>depois</i> dele, e começa a achar que é o líder". Aliás, o próprio Ed Frawley não cumpre esta "lei": neste <a href="http://www.youtube.com/watch?v=N9cNMzVkdNo" target="_blank">vídeo</a>, no mínuto 3'42'', Frawley passa pela porta ao mesmo tempo que o seu cão (qual será a lição do cão?... será que estão empatados no grande campeonato da liderança alfa?), mas, logo a seguir, o cão passa muito primeiro pelo portão do exterior. Será que esta lei é apenas válida para as portas do interior? Ou será que aquele tipo de porta também conta e, a partir daquele dia, o Snickers se tornou o líder lá de casa?</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não nos podemos esquecer daquela que é provavelmente a mais clássica das leis da liderança de matilhas. <i>Nos passeios, devemos sempre andar à frente ou, quando muito, ao lado dos nossos cães. Nunca atrás.</i> Ou seja, os cães cujos donos praticam <i>Canicross </i>são sempre os líderes da matilha...</div>
<div style="text-align: justify;">
Aliás, o que é que determina a liderança? Se um cão passear 20% do tempo já pensará que é o líder? E se for 10%? "olha, neste momento o cão vai à sua frente, está a pensar que é o líder... olha, olha, agora não, já não pensa que é o líder...". </div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Depois, claro, a <a href="http://www.dogbreedinfo.com/topdogrules.htm" target="_blank">lei das altitudes</a> (ponto 8), exemplificada na epígrafe deste post. Diz esta "lei" que o líder, «enquanto humano, nunca deverá colocar-se a si próprio numa altura igual ou inferior à do cão». Eu juro que cada vez mais acredito que os inventores destas leis não vivem nem nunca viveram com um cão. Durante um dia inteiro, vai haver uma ou outra altura em que o dono vai ter de se baixar. "oh querida, tira lá o bolinhas aqui da sala, porque eu vou ter de apanhar as pilhas do comando que foram para debaixo do sofá". Mas o que é que esta gente acha que se passa dentro da cabeça de um cão? "uh la la, queres-me ver esta agora? O meu dono (ou melhor, ex-dono) está ali deitado no chão... então não é que eu sou o novo líder desta casa? As coisas vão mudar a partir de agora.. oh, não, o meu dono já se levantou, já não sou o líder... oh, calma, ele baixou-se outra vez, voltei a ser, oh, já voltei a ser um cão, novamente... foi bom enquanto durou". Enfim.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Por fim, <a href="http://dogcare.dailypuppy.com/establish-yourself-pack-leader-family-dogs-2155.html" target="_blank">o jogo do sério</a> (ponto 2). Segundo esta lei, devemos olhar directamente nos olhos do nosso cão e ser os últimos a desviar o olhar; deve ser o cão a desviar o olhar em primeiro lugar. Basicamente, vamos jogar ao sério com o nosso cão. Quem ganhar é o líder. De quem é a mente infantil que inventa estas regras? Por que não alargar o espectro dos jogos? Fazer uma espécie de olimpíadas da matilha; o vencedor sagra-se o líder da matilha. Podemos começar por jogar à sardinha; depois, as escondidinhas, a apanhada, e não esquecer o jogo do lencinho. Tudo menos o <a href="http://www.dogbreedinfo.com/topdogrules.htm" target="_blank">Tug-of-war </a>(ponto 18); isso é que não; se o cão ganhar, meu deus, aí ele fica a achar que é o super-alfa lá do prédio. Já agora, se este pessoal divertido se entretivesse a estudar comportamento canino em vez de andar a inventar coisas, iria saber o que significa o olhar fixo nos olhos de um cão: é um sinal invasivo e ameaçador. Quando olhar para o seu cão olhos nos olhos, fixamente e prolongadamente, não está a dizer-lhe "eu sou o teu líder"; está a dizer-lhe "eu sou uma ameaça". É essa a mensagem que quer transmitir para o seu cão? Não?, então não perca o tempo com baboseiras de revistinha e leia sobre comportamento canino real. O seu cão agradecerá.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A lista poderia continuar quase indefinidamente. Basta a imaginação querer. Se a mentalidade dos nossos cães fosse tal que se predispusesse a analisar cada um dos nossos actos como sinais de liderança ou submissão, eu colocaria aqui a <a href="http://www.leedberg.com/seinfeld/monologues.html" target="_blank">questão pertinente que Jerry Seinfeld colocou já há cerca de 20 anos</a>: como é que os nossos cães, esses seres hierárquicos e sempre atentos aos nossos sinais de liderança, verão a forma como nós apanhamos os cocós? Não parece uma atitude lá muito de líder da matilha andar com saquinhos a apanhar os serviços que os nossos cães fazem, pois não? Além disso, não conheço nenhum cão ou lobo que ande a apanhar os cocós dos seus "seguidores". Espero não estar aqui a dar ideias; não tarda, algum dos cultores da ideologia da matilha ainda se lembra de divulgar na sua igreja que apanhar cocós dos cães é sinal de submissão, e pronto, lá vão as nossas cidades voltar a ficar apinhadas de dejectos. Tudo a bem da estrutura da matilha!</div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="color: #0080c0; font-size: large;"><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
Aquilo que é importante a reter é o seguinte: nunca, ninguém, em circunstância alguma conseguiu dar uma indicação concreta, sensata e com sentido de como é que o dono se estabelece enquanto líder da matilha. Nunca. Quando alguém fala nisto do líder da matilha, normalmente o discurso versa sobre medidas e ideias absolutamente vagas: transmissão de energias, estar calmo e assertivo, ter mentalidade de líder, etc. E quando se pede por algo mais concreto, algo que se possa, realmente, <i>fazer</i>, invariavelmente o discurso vai parar a este tipo de preceitos absolutamente absurdos e infundados. Comer primeiro do que o cão não vai ter absolutamente nenhum reflexo no resto dos comportamentos desse mesmo cão. Se quer que o seu cão preste mais atenção naquilo que lhe diz, trabalhe esse aspecto em específico. Se quer que o seu cão não puxe a andar à trela, trabalhe esse aspecto em específico. Se quer que o seu cão não ladre tanto, trabalhe esse aspecto em específico. A resposta é sempre treino. Não há outra hipótese, por muito atractivos e encantadores que sejam os discursos que promovem essas alternativas holísticas. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O grande problema destas propostas é a sua incoerência lógica. Qual é o objectivo: ter um cão que obedeça ao seu dono. Como fazer: o dono estabelece-se como líder. Como é que se estabelece como líder: fazendo o cão obedecer. Ou seja: temos de dar sinais de liderança <b>para</b> sermos o líder <b>para </b>que o cão obedeça. E que tal ensinar ao cão qual é o comportamento pretendido? Quer que o seu cão sente quando lhe diz para sentar? Então ensine-o a sentar. Simples e directo. </div>
<div style="text-align: justify;">
"Ah, mas o meu cão sabe sentar; só que não senta sempre; eu quero que ele sente sempre que eu lhe digo, e para isso, é preciso que ele saiba que eu sou o líder". Não, se o seu cão apenas senta de vez em quando, então não sabe "sentar"; não foi bem ensinado. O problema não está no facto de o seu cão não o ver como líder; o problema está no facto de lhe ter ensinado mal. Uma criança que saiba escrever, não saberá, necessariamente, compor um texto de duas páginas sem erros e com sentido. E se ela não o sabe não é por desrespeito aos pais ou aos professores; é porque ainda não aprendeu a fazê-lo. Para um cão, 'sentar' é o mesmo que 'escrever': sentar na sala, sem distracções e enquanto o dono lhe promete um biscoito é fácil, é como uma criança escrever o próprio nome. Mas sentar num parque com 20 cães à volta, isso já é coisa parecida a escrever um ensaio literário. Logo porque sei escrever, não quer dizer que consiga escrever um conto; logo porque um cão saiba sentar, não quer dizer que seja capaz de sentar em qualquer circunstância. Não é uma questão de liderança ou de respeito: é uma questão de treino. </div>
<div style="text-align: justify;">
Já chega de desculpas para não treinar o seu cão. </div>
<br />ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-43789271448973156962013-08-04T09:38:00.000-03:002013-08-04T09:38:00.736-03:00Centrão, quarta parte<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Se quisermos um verdadeiro cão obediente e equilibrado, não basta ensinar-lhe comandos e comportamentos; temos de nos afirmar como o líder da matilha; o nosso cão tem de nos ver como o seu líder.»</i></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Mas, se quando eu digo "senta", ele senta, e quando eu digo "aqui", ele vem, isso não significa já que o meu cão responde aos meus pedidos?»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Errr, sim, ou melhor, ..., não. Na verdade ele pode só estar a responder por interesse. Convém que, paralelamente, se estabeleça uma hierarquia bem definida em que o dono se assuma como líder alfa»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Mas se ele responde aos meus comandos, como é que o meu cão poderá achar que está acima de mim na hierarquia?»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Ele pode não responder em outras situações.»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«E não deveríamos treinar também essas situações de modo a que ele passe a responder também nessas?»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Sim, mas ele só vai responder verdadeiramente se nos reconhecer com líder.»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Então, ele reconhece-me como líder nas coisas em que me responde, mas não me reconhece nas coisas a que não responde? Isso não significa apenas que houve coisas que já treinámos e outras que não?»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Como assim?»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Se o meu cão responde quando eu digo "senta", isso não significa que ele já me reconhece como líder?»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Não, se ele responder apenas por interesse.»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Então, se não é por interesse, de que outro modo é que o meu cão deve responder aos meus pedidos? Pela força?»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Não, não! Um verdadeiro líder nunca ou raramente usa a força.»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Então usa o quê?»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Respeito.»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Ah, então todas essas estranguladoras são para... impor respeito?»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Err, sim, se necessário.»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Estou a ver, estou a ver. Mas então que passos concretos é que temos de dar para nos afirmarmos como líder.»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Ouça lá, quem é o especialista, aqui? Quer o senhor queira, quer não, os cães têm necessidade de viver numa estrutura na qual exista um líder; se nós não nos assumirmos como o líder, assumem os cães.»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Bom, não vamos perder tempo. O que é que vamos fazer hoje?»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«Vamos trabalhar a chamada...»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><br /></i>
</div>
<ul>
<li style="text-align: justify;"><b>Treino vs. comportamento equilibrado</b></li>
</ul>
<div>
<div style="text-align: justify;">
A meu ver, hoje irá ser abordado um dos maiores e mais melindrosos mitos que se tem espalhado pelas cabeças de quem se envolve na educação dos seus cães. É extraordinariamente comum ouvirem-se diálogos como o da epígrafe deste texto. É muito frequente ouvirmos pessoas a dizer coisas como <i>"Oh, não quero que o meu cão saiba uma série de coisas, não quero ensinar-lhe uma bateria de comandos e truques. O que quero é que ele se comporte bem e que me respeite". </i></div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
É um facto que existem vários cães que têm um conjunto significativo de truques e comportamentos complexos no seu repertório, mas que, em contrapartida, acumulam alguns problemas comportamentais. Não são poucos os cães com forte desempenho em obediência competitiva e com problemas como, por exemplo, ansiedade por separação; cães que intercalam sessões inteiras de resposta a pedidos de comportamentos complexos com demonstrações de agressividade perante outros cães. Isto é bem verdade. Mas não podemos tomar estes factos como premissas para concluir que treinar um cão é coisa distinta de dar estrutura e equilíbrio ao seu comportamento. Numa palavra, há uma ideia muito enraizada de que uma coisa é ensinar o cão a sentar, a deitar e a dar a patinha, e outra bem diferente é ter um cão que respeite o dono quanto dono, e que se saiba comportar em casa e na rua. </div>
<div style="text-align: justify;">
Trata-se de uma ideia tanto mais enraizada que ela é não é apenas difundida por entre os comuns donos de cães. Não; ela é também difundida por especialistas de comportamento, por treinadores profissionais. Tal ideia chega mesmo a ser o <i>slogan </i>de alguns destes profissionais. O objectivo de hoje do Abacaxi é desconstruir esta ideia desde a sua base; demonstrar o seu ridículo e a sua falta de fundamentação: numa palavra, o objectivo é esclarecer, do modo mais definitivo possível, em que é que consiste o treino de cães e o quão importante e insubstituível ele é para que a relação dos cães com os seus donos seja a melhor possível.<br />
Voltemos ao <a href="http://leerburg.com/philosophy.htm" target="_blank">texto</a> de que nos temos servido para exemplificar os princípios da ideologia do meio-termo no treino de cães. Nesse texto, Ed Frawley escreve uma frase que se torna bastante emblemática acerca da forma como o próprio encara a educação de cães: <i>«A maioria dos problemas comportamentais surge como resultado de uma fraca estrutura de matilha no ambiente em que o cão vive. Por essa razão, nós dizemos às pessoas que treino de obediência representa apenas 25% da solução para corrigir problemas comportamentais, e 75% da solução tem a ver com o estabelecimento de uma sã estrutura de matilha»</i>. Não importa tanto notar qual o relevo e quais os valores que Ed Frawley concede ao treino e à estrutura de matilha; o que importa é que é feita uma separação entre as duas coisa. Conforme veremos de seguida, não existem duas coisas. Tudo é uma questão de treino, e treino é educação. Toda a história de um estabelecimento de hierarquia estrutural é uma invenção, uma grande invenção. Vejamos aquilo em que Ed Frawley baseia a sua ideia de estabelecimento de uma estrutura de matilha, e veremos se existem ou não razões para fazer uma distinção entre isso e o treino de cães.<br />
<br />
Diz Ed que, <i>«quando a pergunta se relaciona com a forma de criar um vínculo, ganhar respeito e ser capaz de manter a liderança em relação aos nossos cães, a resposta é ter a certeza de que o cão compreende que nós seremos sempre justos para com ele. Assim sendo, o cão tem a responsabilidade de responder perante coisas que já conhece, e, se ele recusar, irá haver consequências».</i><br />
Bom. Isto não se difere em nada do princípio básico do treino de cães. Pode haver alguma variação nos termos escolhidos (eu, por exemplo, preferiria não usar "recusa" ou mesmo "responsabilidade") , mas, em termos basilares, esta é uma forma de definir o princípio básico do treino: não esperar coisas que ainda não ensinámos; providenciar consequências ajustadas para o comportamento ocorrido. Isto é treino. Ponto. Até aqui, ainda não se vê qualquer razão para distinguir treino de estabelecimento de liderança e respeito. Até aqui, a coisa parece ser uma e uma só. Mas pode ser que mais para a frente haja uma distinção real das coisas. Vejamos.<br />
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<i>«Ao longo da experiência ganha em treino, nós demonstramos ao cão que apenas vamos pedir-lhe coisas que ele saiba fazer. Quando ele faz algo correctamente, nós fazemos sempre algo de bom para eles. Da mesma forma, quando ele faz algo incorrecto, nós deixamos-lhe SEMPRE claro que ele cometeu um erro»</i>.<br />
Hm, pois, continuamos no mesmo ponto. Isto não é outra coisa senão treino. Pura e simplesmente treino. Aprender segundo as consequências é a ideia mais básica da lei da aprendizagem, fundada nos princípios do condicionamento operante. Usar esses princípios para ensinar o nosso cão alguma coisa (seja 'sentar', 'ladrar', 'dar a pata', subir ou descer do sofá, esperar pela comida, não saltar para as visitas, qualquer coisa) é treino. Não adianta vestir a coisa de palavras diferentes, chamar-lhe estrutura de matilha ou o diabo a quatro. Isto é treino. Ponto. Até agora, ainda não há razões para criar qualquer tipo de folclore em torno de uma figura mitificada - o dono alfa. Mas pode ser que ainda haja. Continuemos em busca desses princípios concretos que justifiquem a existência dessa estrutura de matilha e desse líder da matilha.<br />
<br />
<i>«O cão deve aprender que nós somos 100% consistentes na forma e no momento em que administramos correcções. Ser consistentes a toda a hora é uma das componentes mais importantes de se ser um líder da matilha. Por exemplo, nós não podemos ignorar um comportamento agressivo perante um convidado em nossa casa e, depois, corrigir o nosso cão quando ele for agressivo durante um passeio.»</i> Ou seja, temos de providenciar sempre o mesmo tipo de consequências para o mesmo tipo de comportamentos. De outra forma, o nosso cão terá mais dificuldades em compreender o que esperamos dele; terá mais dificuldades em compreender-nos. Mais uma vez, estamos perante um princípio básico de treino. Um bom treinador sabe que deve controlar as consequências dos comportamentos dos cães de modo a agilizar a sua aprendizagem. Consequências distintas para o mesmo comportamento fazem emperrar a aprendizagem, a educação e a comunicação do nosso cão. Isto é, pura e simplesmente, uma questão de treino. Continua a não haver razões para criar uma realidade paralela ao treino, pois o treino continua a compreender esta esfera da aprendizagem e do comportamento canino. Será que haverá alguma razão para aceitarmos a divisão feita inicialmente? Continuemos na nossa demanda.<br />
<br />
Ed Frawley continua: <i>«Durante praticamente toda a minha vida de adulto eu treinei cães de protecção e cães de serviço policial. Comecei a estudar trabalho de protecção em 1974. Os meus cães aprenderam que a única altura em que lhes era permitido ser agressivos era quando eu lhes dizia que tal era OK ou quando eu era atacado. Ao longo do meu treino, isto tornava-se muito claro para o cão».</i> Esta nem necessitaria de comentário. É uma questão de treino, e pronto. Não era por assumir algum tipo de postura física que os cães sabiam quando e como atacar; não era por emanação de alguma energia etérea; não era porque o dono comia primeiro do que os cães; não era porque Ed e seus cães jogavam ao sério e Ed ganhava sempre. Não. A razão pela qual os cães aprendiam tal valiosa lição advinha pura e simplesmente do treino específico desse comportamento, apoiado, claro, no treino anterior de outros comportamentos, que é como quem diz, apoiado na relação de comunicação e interacção que o treino prévio criou e fortaleceu.<br />
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<i>«Se estudar comportamento de matilha, ou mesmo comportamento de pastoreio, verá que os problemas relacionados com a matilha são lidados de forma muito subtil ou passiva, mas o desrespeito é lidado de forma muito rápida e agressiva. O mesmo deve acontecer numa relação com um cão.» </i>Esta é uma ideia extremamente desconjuntada. Em primeiro lugar, Ed parece sugerir que lidemos de forma agressiva com um problema de "desrespeito" do nosso cão, o que colide violentamente com alguns dos preceitos que encontramos no resto do conjunto de princípios que fundam o sistema de treino e educação de cães da Leerburg. Em segundo lugar, não se percebe bem a diferença entre "problemas relacionados com matilha" e "desrespeito". O fundamento que legitima a existência de uma estrutura de matilha não se prende com a estipulação de uma hierarquia? Então, um "problema de matilha" não será, justamente, um problema na harmonia da hierarquia criada? Qual é a diferença entre tal "problema" e um problema de "desrespeito"?<br />
Em terceiro lugar, e mais importante de tudo: aquilo a que Ed Frawley denomina "desrespeito", à luz do que escreveu no seu texto, só pode ser interpretado como "incumprimento de uma indicação dada". Ou seja, desrespeito é quando um comando não é seguido, quando uma indicação não é respondida convenientemente. Isto são problemas que surgem durante o treino. Têm a ver com a forma como as consequências estão a ser geridas; tem a ver com a existência de distracções demasiado fortes para que a indicação seja cumprida; etc. Tem tudo a ver com treino, e nada a ver com desrespeito de uma pretensa hierarquia. Se vamos optar por adicionar pressão para que o cão responda (isto é, definir consequências mais aversivas para o mau comportamento) ou se vamos optar por uma estratégia de reforço mais acentuado dos comportamentos desejados, isso é uma escolha que se faz dentro do universo do treino, e tem a ver com a forma como cada um se posiciona dentro desse universo. Mas uma coisa é absolutamente certa: tudo passa por um ajuste no tipo de consequências fornecidas para um determinado comportamento, tudo passa por uma redefinição do ambiente e das variáveis; nada se passa por uma questão de simples imposição de autoridade e respeito ou desrespeito desta. Tal como o próprio Ed Frawley admite, «os cães não fazem coisas para que nós nos sintamos bem; eles fazem as coisas que lhes fazem sentir-se bem». Ora, compete a cada um de nós fazer com que as coisas que fazem os nossos cães sentir-se bem coincidam com as coisas que nos fazem sentir bem também. Compete-nos gerir, criar e canalizar a motivação dos nossos cães. Isto é treinar. Isto é educar. De modo genérico, há duas vias de fazer isto (embora, dentro de cada via, haja toda uma multiplicidade de formas de fazê-lo). Duas, não mais. Uma terceira via, ao meio, é uma invenção e uma ilusão; como tal, necessita de outras invenções ilusórias para se justificar. É invenção e é ilusória toda a história que se conta de uma estrutura de matilha e do papel de líder de matilha que temos de assumir.<br />
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Não só é ilusória, como também é perigosa. <i>«Treinadores [e donos] inexperientes precisam lembrar-se de que um cão aprende por repetição. Muitas vezes, são precisas 30 repetições para que um cão aprenda um novo comando. Os treinadores [e donos] são frequentemente culpados de pensar que o seu cão compreende um comando quando, na verdade, eles não repetiram o exercício vezes suficientes para que o cão compreendesse o verdadeiro significado daquilo que esperam do cão. Isto resulta em donos [e treinadores] corrigirem injustamente alguma coisa que o seu cão não compreendeu por completo». </i><br />
Toda esta coisa das repetições e da consolidação e generalização de um comportamento tem a ver, única e exclusivamente, com treino. A ideia de que nos devemos tornar "líderes da matilha" só provoca uma ilusão perigosa de que o nosso cão deve comportar-se correctamente por respeito ao seu líder. Quando um cão se "recusa" (chamemos-lhe assim) a sentar durante um passeio, frequentemente ouvimos o diagnóstico: "pois é, está a desrespeitar o dono; ele não o vê como líder da matilha, meu caro". Quando um cachorro de quatro meses mordisca as mãos do dono, claro, <a href="http://www.cesarsway.com/askcesar/territorial/Puppy-Chewing-on-Caretakers" target="_blank">"não está a reconhecer o dono como seu líder"</a>. E por aí fora. Ora, a ideia de se fundar uma estrutura de matilha e firmar-se o dono como líder dessa matilha é uma forma extremamente apetecível para alimentar a preguiça de passar à frente as trinta repetições e menosprezar o engenho de levar o cão a compreender o que esperamos dele. Quando um cão não responde a um comportamento, ou quando tem um mau comportamento, simplesmente esse comportamento não foi devidamente ensinado e exercitado. Mas claro que é mais fácil dizer-se que o dono não está a ser um verdadeiro líder da matilha. É fácil, mas também é perigoso. Ed Frawley está perfeitamente consciente deste perigo. Daí que chame a atenção para o facto de que um verdadeiro líder não apoiará a comunicação com o seu cão nessa liderança; um verdadeiro líder terá de percorrer os passos todos exigidos pelo treino.<br />
Mas a pergunta que se faz é: se o tal líder da matilha tem de percorrer todos os passos do treino do seu cão, por que razão é que o treino do cão é 25% da educação, apenas? Por que razão se separam as duas coisas? Ou melhor, por que razão se reifica a existência de algo cuja razão de existir continua a não ser clara? Por que razão se dá tanto ênfase à estrutura da matilha e à constituição do dono como líder dessa estrutura, se, dê por onde der, tudo vai desaguar à questão do treino?<br />
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A resposta é simples: grande parte das pessoas interpreta o treino de cães como o ensino de um grupo finito de comportamentos. Grupo do qual não fazem parte problemas comportamentais como agressividade. É comum ouvirmos dizer que ensinar a sentar e a responder à chamada são questões de treino, mas resolver a agressividade é uma questão de reabilitação. Numa palavra, existe uma ideia generalizada de que treino é uma parte restrita do comportamento dos cães e da nossa relação com eles. Toda uma outra parte, mais importante, pois claro, já não faria parte da esfera do treino; tudo o resto já faria parte da própria essência da relação do dono com o seu cão. E quis "o destino" que a maior parte das pessoas definisse essa essência numa perspectiva de liderança. Daí que surjam, como cogumelos, os discursos da estrutura da matilha, e afins. Só que, sempre que alguém tenta consolidar um tal discurso, os seus fundamentos vão sempre dar a questões que se relacionam com o treino. SEMPRE. Os dois pólos opostos da metodologia de treino de cães têm várias coisas a separá-los, mas ambos parecem conscientes de que educar um cão é treiná-lo, e treinar um cão é educá-lo. Não há energias, estruturas de matilha, posturas mágicas, encantamentos. O que há é comunicação e ensino. Mútuo. O meio-termo do treino canino também sabe desta verdade, mas, para justificar a sua existência, acaba por criar um dogma apelativo à comunidade de donos de cães. O dogma de que treinar cães é algo completamente restrito e limitado, quando comparado com o resto que se passa numa relação entre cão e seu dono.<br />
O curioso é que, apesar de este dogma ser extremamente frágil nos seus fundamentos (como espero que tenha ficado explícito ao longo deste texto), ele continua a imperar e a ganhar adeptos. Fica sempre bem ficarmos numa posição moderada. Faz-nos parecer menos dogmáticos. Mesmo que o sejamos mais do que todos os outros...<br />
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ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-87357518847714177152013-08-02T11:51:00.000-03:002013-08-04T01:09:38.589-03:00Centrão, terceira parte<div style="text-align: justify;">
(continuação)</div>
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<ul>
<li style="text-align: justify;"><b>Matilha e antropomorfização</b></li>
</ul>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Um outro traço muito presente nos cultores da ideologia do meio-termo consiste na estipulação da relação entre cão e seu dono como sendo estritamente hierárquica. Como tal, a promoção do dono como elemento ascendente nessa hierarquia será o passo mais importante para que todo o comportamento do cão se adeque às expectativas da família.</div>
<div style="text-align: justify;">
O texto que explana a "filosofia" de treino de Ed Frawley não poderia escapar a esta tendência. A terceira parte do texto (os pontos "Dogs are pack animals..." e "How to build respect and leadership") dedica-se a abordar uma pretensa constituição essencial do cão como animal de matilha e a estipular a forma de o dono conquistar a posição de topo nessa matilha.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um dos problemas que Ed Frawley aponta é a constante antropomorfização que muitos donos fazem dos seus cães. Aliás, essa é uma crítica muito em voga, desde há uns anos. De facto, antropomorfizar o nosso cão é uma das formas mais rápidas de encomendar problemas na relação. Existem várias formas de antropormorfizar a espécie canina, mas todas elas, mais ou menos directamente, têm a ver com um revestimento moral dos nossos cães. Jean Donaldson ataca esta questão melhor do que ninguém: a nossa «visão distorcida dos cães é uma forma perversa de medir o quanto nós gostamos deles. Nós queremos que eles sejam espertos, moralmente "bons". (...) A nossa compaixão e consideração por outros seres está fortemente correlacionada com a nossa percepção do quão similares eles são de nós mesmos...». Ora, tendemos a antropomorfizá-los para sustentar e legitimar o quanto nós gostamos deles. São frequentes os artigos e estudos que tentam demonstrar o quanto os nossos cães são parecidos connosco. É como se procurássemos ver o máximo de traços em comum entre homens e cães. Travamos uma relação com uma outra espécie, e, em vez de procurarmos um enriquecimento proveniente de uma diferença essencial, andamos constantemente a descortinar humanidade nos cães e "canidade" nos homens. Quando alguém diz "quanto mais conheço os humanos, mais gosto dos animais", essa pessoa está a avaliar os animais em função de uma falha moral humana; os cães, espécie a quem este tipo de expressão é mais endereçada, são sempre avaliados em função de uma medida humana. <i>"Olhe, olhe para aquilo, são tão bonitos... só lhes falta falar"</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
Antropomorfizar ou humanizar os cães é, de facto, uma razão forte para a criação de problemas. O que é curioso é que uma das formas de antropomorfizar cães consiste em defini-los como seres hierárquicos e, sobretudo, definir as regras e as determinações de tal hierarquia à luz das hierarquias humanas. A forma como muitos, hoje, se tentam demarcar de uma humanização dos cães é bastante irónica. Ridiculamente irónica. Para evitar tratar os cães como pessoas, transformam-se as pessoas em cães. A família lá de casa, que, até à chegada do cão, era uma família normal, humana, composta por pessoas, pai, mãe, filho, filha, essa mesma família, à chegada do seu novo elemento de quatro patas, transforma-se: deixa de ser família e passa a ser matilha. É frequente ouvirmos que todos os cães vêm as pessoas lá de casa como membros da sua matilha. Não vamos questionar esta afirmação; vamos fingir que ela é inquestionável e que corresponde à verdade. Ora, quando os nossos cachorros chegam a nossa casa, a nossa missão é dar-lhes a conhecer novas regras, dizer-lhes quais são os comportamentos admissíveis e quais aqueles que não o são. Se ele interage maioritariamente com os dentes, compete aos membros lá de casa dizer-lhe que existem outras formas de interagir e que tem de ter cuidado com os dentes, pois "nós não somos cães". Se o cão nos vê como elementos de matilha, não seria lógico que a nossa função fosse ensinar-lhe que, enquanto humanos, nós não formamos matilhas, mas famílias, e não temos hábitos caninos, mas humanos? Parece que talvez este pensamento não seja tão evidente assim, pois tanta e tanta gente opta por assumir que, daí em diante, a sua família será uma matilha. O raciocínio é: se o nosso cão nos vê como membros da matilha, temos de agir como uma, e temos de assumir o papel de líder da matilha. Se o objectivo é ser-se líder e fazer do cão um seguidor, não é extremamente perverso e irónico que determinemos o tipo de grupo que vamos formar em função do membro que se pretende ser o seguidor? Não é altamente risível que, com o objectivo de se colocar o cão no patamar mais baixo da hierarquia, o grupo que outrora fora uma família passe a ser uma matilha? Não é, enfim, altamente absurdo ambicionar formar uma matilha para que o único membro verdadeiramente canino seja o elemento mais inferior da hierarquia? </div>
<div style="text-align: justify;">
Como é óbvio, tudo isto é retórica. Nenhuma família se transforma em matilha. A única razão pela qual se fala em <i>estrutura de matilha</i> é para legitimar uma série de procedimentos que, de outra forma, pareceriam pouco justificáveis. Procedimentos acompanhados do habitual "era o que a mãe do cachorro faria...". Os procedimentos, esses, continuam a ser única e exclusivamente humanos. Nenhum membro de uma matilha ou alcateia passeia outros membros numa trela. Numa matilha não se vestem roupas diferentes todos os dias; não se marcha ou trota em posição bípede; não se manda sentar, deitar, rebolar uns aos outros. Esta história da estrutura da matilha é retórica da mais vaga e inconsistente que podemos imaginar. Quem é que, verdadeiramente, age como um cão perante o seu cão?</div>
<div style="text-align: justify;">
É claro que, para sustentar uma ideia que é essencialmente inconsistente, o discurso correspondente não pode escapar a tal inconsistência, também ele. Veja-se o texto de Ed Frawley. Por um lado, sublinha o aspecto central da sua "filosofia" de treino: «Cães domésticos olham para a família com que vivem como a sua matilha. Se os humanos não se tornarem líderes da matilha, os seus cães vão avançar e assumir esse papel». Ora, é como se houvesse uma espécie de necessidade estrutural que exige que um líder se afirme; se não for um humano, será o cão. Tudo a bem da estrutura de matilha. É como se o cão até nem quisesse muito ser o líder, mas, como ninguém se assume, lá terá de ser ele. Bom. Por outro lado, Ed Frawley acaba por admitir que «os cães vêm a vida em termos de preto e branco, (...) vêm a vida em termos de "coisas que são boas para eles" e "coisas que não são boas para eles". (...) a força motriz na vida de um cão é o seu desejo de fazer coisas que os façam sentir-se bem. Os cães nunca fazem coisas para fazer com que o dono se sinta bem, eles fazem coisas que os fazem sentir-se bem». Ora, se fazem as coisas para se sentir bem, pouco se estarão importando com uma pretensa estrutura de matilha. E pouco interesse teriam em ter de assumir liderança perante uma matilha de bípedes com hábitos muito diferentes dos seus... Como conjugar esse carácter oportunista dos cães com uma necessidade intrínseca em pertencer a uma hierarquia normalizada e moralmente estruturada? Como harmonizar a ideia de que «os cães nunca fazem nada para agradar aos donos» com a ideia de que o imperativo número um na educação dos nossos cães é estabelecermo-nos como líderes do nosso cão? Pois claro, não há nenhuma conjugação possível. Qual é a necessidade de formarmos uma hierarquia de matilha e estabelecermo-nos como seu líder se admitimos que o cão não faz nada para agradar esse mesmo líder, e apenas faz as coisas que o façam sentir-se bem? Porque o líder pode providenciar más consequências para o comportamento do cão e, assim, controlar a acção deste? Mas isso é uma da componentes do treino de cães; não é necessário qualquer recurso a ideias mais ou menos elaboradas acerca de estruturas de matilhas e lideranças alfa. Tudo isto se trata apenas de mais uma inconsistência discursiva que é decorrente da inconsistência de ideias em que este discurso se apoia.<br />
O grande problema deste discurso é que estabelece como pressuposto e axiomático um princípio altamente problemático, um princípio que é altamente problematizável na sua forma e na sua constituição. O grande problema é partir-se de um pressuposto inquestionável de que numa relação entre um homem e um cão se define, automaticamente, uma estrutura de matilha, e que toda uma série de problemas surgem quando o elemento humano do conjunto falha em reconhecer essa estrutura automática. Este é o tipo de princípios que não se adquire com a experiência. Existem duas formas de lidar com este tipo de princípios: (i) questioná-los criticamente e remetê-los para os enunciados fornecidos pela(s) ciência(s) que estuda(m) o tema; ou (ii) acreditar neles religiosamente e assumi-los como dogmas da nossa prática. Não tenho grandes problemas com a segunda via; por muito que nos custe admiti-lo, este é um procedimento que rege uma parte significativa da nossa vida. O problema é que, quando se opta por uma tal via e quando, ao mesmo tempo, se tenta erigir todo um sistema de processos e práticas que se fundam na ciência do comportamento e da aprendizagem, as incoerências vão começar a aparecer como cogumelos. Alguns deles bem tóxicos para o resto do sistema...<br />
<br />
(continua...)</div>
<span style="background-color: white;"><br /></span>
<span style="background-color: white;"><br /></span>ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-25971810242634792082013-08-01T09:17:00.000-03:002013-08-01T09:17:00.419-03:00Centrão, segunda parte<div style="text-align: justify;">
(continuação)</div>
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<br /></div>
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</div>
<ul>
<li><b>Três categorias de treinadores</b></li>
</ul>
<br />
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Numa segunda parte do seu <a href="http://leerburg.com/philosophy.htm" target="_blank">texto</a>, Ed Frawley faz uma distinção dos três categorias de treinadores que, segundo ele, existem. Os que treinam os seus cães com base em recompensas; os que treinam os seus cães com base em castigos; e os que treinam os seus cães com base em recompensas e em castigos. A grande questão é que, para Ed Frawley, os membros da primeira categoria <i>apenas </i>usam recompensas e os da segunda categoria <i>apenas </i>usam castigos. A virtude estaria, pois claro, na posição intermédia, representada na terceira categoria, que usaria tanto as recompensas quanto os castigos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Vamos ver de que forma Ed Frawley define estas categorias.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A <b>primeira categoria</b> diz respeito aos treinadores que, segundo ele, <i>«suplicam ou subornam e conduzem os seus cães a fazer alguma coisa ao oferecer comida ou um brinquedo». «Não me interpretem mal, </i>continua Ed<i>, eu também uso comida e brinquedos em treino, mas também uso distracções e correcções. As pessoas nesta categoria não usam nem distracções nem correcções.»</i> Bastar-me-á apenas esta definição para demonstrar o erro de princípio que Ed Frawley comete. </div>
<div style="text-align: justify;">
Em primeiro lugar, nenhum treinador, seja lá de que categoria for, ignora que se devam usar distracções para fortalecer um comportamento. Nenhum. Apenas donos inexperientes acham que quando um cão segue o comando 'senta' na cozinha, ele falo-á de igual forma no parque com dez cães à volta. Um treinador sabe que isto não se passa assim. <u>Dizer que os treinadores que se baseiam em recompensas não usam distracções é uma mentira muito conveniente para desacreditá-los.</u></div>
<div style="text-align: justify;">
Em segundo lugar, nenhum treinador no mundo usa apenas recompensas. Mesmo que não queira ou que disso não tenha consciência, um treinador que esteja a usar reforço positivo terá de usar também castigo negativo, para evitar que comportamentos concorrentes (e indesejados) sejam também reforçados. Usar uma trela é estar pronto para usar castigo negativo quando necessário (sem recurso a esticões, porque isso já será castigo positivo). <u>Dizer que os treinadores que se baseiam em recompensas não usam correcções é uma mentira muito conveniente para desacreditá-los</u>.</div>
<div style="text-align: justify;">
Em terceiro lugar, usar comida ou brinquedos como forma de recompensar comportamentos não é, não pode ser uma forma de suborno. Para colocá-lo de forma simples: quando usamos comida como forma de suborno, estamos a fazê-lo mal. Ora, repare bem o estimado leitor que para Ed Frawley o problema não está em distinguir um bom uso de um mau uso de comida ou de brinquedos; para Ed, qualquer uso de comida e brinquedos é uma forma de suborno. E o próprio Ed admite que usa comida e brinquedos no treino. Logo, está a admitir que usa formas de suborno. E, para contornar essa fase de suborno, Ed Frawley vai compensar a balança ao usar também "distracções e correcções". Ed Frawley apenas defende a necessidade de correcções e castigos porque o uso de recompensas é, por essência e definição, uma forma de suborno. Se Ed soubesse, ou admitisse, que o uso de formas de reforço positivo não são formas de suborno; se soubesse ou admitisse que reforço positivo implica criar um historial de boas consequências para um determinado comportamento de modo a que este comportamento se torne cada vez mais frequente, sólido e reforçante em si mesmo; então teria muitas mais dificuldades em justificar as razões pelas quais esta categoria de treinadores peca por defeito. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A <b>segunda categoria</b> diz respeito a treinadores que, segundo Ed, «intimidam e forçam os seus cães para fazerem o que os donos querem que eles façam». Ed denomina este tipo de treinadores como sendo treinadores do esticão e da cedência (<i>yank and crank trainers</i>), e toma como seu modelo William Koehler. (Uma nota de curiosidade: William Koehler tem mais anos de experiência do que o próprio Ed Frawley; o que é que isto diz do argumento da experiência como princípio de um bom treino? Claro, os anos de experiência não podem ser fundamento da qualidade nem do tipo de treino. Fim de nota.)</div>
<div style="text-align: justify;">
Uma vez mais, existem aqui erros de base. Nomeadamente dois.</div>
<div style="text-align: justify;">
Em primeiro lugar, nenhum treinador usa apenas castigos e correcções. Por definição, os castigos positivos só funcionam se agregados a um reforço negativo. Existe sempre a recompensa do fim do castigo positivo. No mais, qualquer treinador da "escola" William Koehler usa uma (pretensa) forma de reforço positivo: o elogio. Faz parte de qualquer compêndio de treino tradicional e focado nas correcções proferir palavras de elogio quando o cão "acerta". Se os elogios funcionam como forma efectiva de reforço positivo ou de motivação, isso já é outra questão (o próprio Ed Frawley tem uma apurada e perspicaz visão acerca do assunto, <a href="http://leerburg.com/theoryofmotivation.htm" target="_blank">aqui</a> e <a href="http://leerburg.com/pdf/theoryofmotivation.pdf" target="_blank">aqui</a>). A questão é que, segundo a lógica dos "yank and crank trainers", existe espaço para algo mais do que simplesmente correcções; existe espaço para assinalar o bom comportamento. </div>
<div style="text-align: justify;">
Em segundo lugar, o mais importante. Repare o estimado leitor que aquilo que Ed Frawley rejeita nesta categoria não é o tipo de correcções que é feito. Para Ed, o problema não está numa distinção entre boas e más formas de correcção. Para Ed, qualquer uso de correcções é uma forma de forçar os cães a realizarem um comportamento. O erro que Ed distingue nesta categoria de treinadores é focarem-se exclusivamente nas correcções e esquecerem-se da componente recompensadora. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Aquilo que podemos concluir das definições que Ed Frawley faz destas duas categorias de treinadores é a seguinte: o problema não está no uso da comida e de brinquedos como suborno; o problema não está no tipo forçado e intimidante das correcções: o problema está no uso exclusivo de uma das duas partes. Aquilo que Ed Frawley pretende é um uso combinado daquelas duas categorias. A <b>terceira categoria</b> de treinadores situa-se no meio-termo. Segundo palavras do líder da Leerburg, a terceira categoria «é formada por treinadores que pretendem estar no meio das outras duas categorias». Ed Frawley prossegue, dizendo que tais treinadores «se equilibram no meio, mas estão sempre preparados para se moverem para um lado ou para o outro dependendo daquilo que se estiver a passar num determinado momento do treino do cão».</div>
<div style="text-align: justify;">
Ora bem, juntando todas as pontas destas definições, <u>Ed Frawley defende uma categoria de treinadores que balancem entre subornar o cão e intimidar ou forçar o cão</u>. Não se está aqui a fazer qualquer exercício especulativo ou deturpador. Se Ed Frawley define a primeira categoria como aquela que "suplica aos seus cães por um comportamento, e suborna-os para os obter"; se define a segunda categoria como aquela que "intimida e força os cães para obter um comportamento", e se, por fim, define uma terceira categoria (na qual ele se insere) como aquela que "balança entra a primeira categoria e a segunda categoria para aplicar o mais adequado à fase específica do treino", então, aquilo que Ed Frawley está a defender é, simples e literalmente: "<u>oscilar entre subornar o cão ou forçar o cão</u>".</div>
<div style="text-align: justify;">
Estou certo de que o estimado leitor se recordará do que foi dito no texto anterior acerca das ideologias do meio-termo: de tanto seleccionar ou peneirar o que de melhor há nos extremos, o meio-termo fica apenas com os restos. Ou seja, o meio-termo, por se definir como posição equilibrada entre dois extremos, fica sempre com aquilo que acaba por criticar nesses dois extremos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Se Ed Frawley quiser defender que não é isso que pretende; se quiser defender que não pretende nem subornar cães nem intimidá-los, então terá de redefinir a forma como descreveu as duas primeiras categorias de treino. Tenho é a impressão que uma tal redefinição iria tornar a terceira categoria absolutamente desnecessária.<br />
<br />
(continua...)</div>
ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-9519564420620472382013-07-31T00:14:00.000-03:002013-07-31T00:14:00.421-03:00Centrão, primeira parte<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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<i>"Um dos grandes problemas dos treinadores de cães é que, normalmente, são muito incompletos. Ora usam apenas castigos e esquecem-se das recompensas; ora usam apenas recompensas e esquecem-se dos castigos. O segredo está em dosear ambas as coisas e encontrar o ponto de equilíbrio. O segredo é dominar ambos os mundos para encontrar o difícil balanceamento entre eles."</i></div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ora, uma vez mais, o moralismo! Discursos como este colhem e captam audiência justamente por apelarem ao moralismo que habita em todos nós e que nos diz, por defeito, que "no meio é que está a virtude". Uma pessoa pode não saber absolutamente nada sobre um determinado assunto, mas a sua inclinação natural é para se posicionar no meio, numa posição intermédia: <i>"Pelo sim, pelo não, fico-me pelo meio... exponho-me menos e ainda dou ares de prudência e abertura de espírito."</i> É parte constitutiva da nossa natureza colocarmo-nos numa posição de meio termo. A maior parte das pessoas que não se envolve nem estuda muito acerca de ideologia política tem sempre uma posição moderada; pode ser mais de esquerda ou de direita, mas apressa-se sempre a dizer que não gosta nada de extremismos. Parte da nossa forma de nos mostrarmos seres compreensivos e eclécticos passa por aparentar uma posição de abertura para aceitar argumentos das duas partes, e peneirar o melhor de cada uma para formar uma pretensa super-posição constituída apenas pelo melhor de dois mundos.</div>
<div style="text-align: justify;">
A estratégia do meio-termo começa por estipular uma realidade maniqueísta, uma realidade formada por dois pólos opostos, e dois pólos apenas. O segundo passo consiste em evidenciar os pontos fortes e fracos de cada uma das partes. E o terceiro passo consiste, finalmente, em fundar uma terceira via, ao centro, que reúna o que de melhor há nas duas partes opostas e que descarte o pior.</div>
<div style="text-align: justify;">
Os problemas desta estratégia são vários: em primeiro lugar, raras são as realidades constituídas apenas por dois pólos; cada um desses pretensos pólos é constituído por diferenças internas que fragmentam a realidade em muito mais do que duas simples realidades opostas; em segundo lugar, os pontos fortes de duas posições contrárias raramente são compatíveis, pelo que é apenas estratégia discursiva e ilusória dizer-se que existe uma terceira via que reúne o melhor de dois mundos; em terceiro lugar, uma posição centralista raramente acolhe o melhor das posições polares; ao contrário, de tanto peneirar, aquilo que é acolhido pelo centrão é, invariavelmente, o que sobra dos pólos. Uma verdadeira via alternativa, uma verdadeira terceira via nunca opta pelo meio termo; ao invés de se agarrar ao que já há e seleccionar o que lhe convém, uma verdadeira nova via inaugura novas possibilidades. Em quarto e último lugar, uma posição centralista pode ser tão ou mais ideológica e dogmática quanto as posições polarizadas. O centrão é isso mesmo: uma ideologia do meio-termo, cujo fundamento principal é o de fazer-se passar por eclético e moderado quando, na verdade, defende as suas posições de forma tão dogmática quanto as posições extremistas.</div>
<div style="text-align: justify;">
Por todas estas razões desconfio sempre quando alguém forma um discurso baseado numa retórica do meio-termo. E o mundo do treino de cães não escapa a esta <i>lei</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Para que o estimado leitor compreenda em que consiste a posição (retórica) do meio-termo, leia <a href="http://leerburg.com/philosophy.htm" target="_blank">isto</a>. Não vai encontrar melhor representante do que este. Tudo o resto ou é imitação barata ou é de qualidade duvidosa. Esta fonte que aqui lhe forneço tem a seriedade de basear as suas afirmações em largos anos de experiência, tem a honestidade de reconhecer erros passados e aprender novas coisas, mesmo depois de mais de quarenta anos a fazer esses erros, e possui a proeza (difícil de encontrar) de tentar formar um sistema fundamentado de educar um cão.</div>
<div style="text-align: justify;">
Posto isto, e uma vez que este texto representa o que de "melhor" há na ideologia do meio-termo, o Abacaxi vai dedicar este e os próximos "posts" a um trabalho crítico do conjunto de ideias apresentadas bem como das consequências e dos preceitos implícitos num tal conjunto. Façamo-lo por partes.</div>
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<br />
<ul>
<li><b>Introdução: o apelo à experiência</b></li>
</ul>
<br />
Comecemos pelo curto texto introdutório, no qual Ed Frawley fala da sua filosofia (leia-se ideologia) de treino e educação de cães. A ideia fundamental desta introdução, bem como o seu maior problema consiste no relevo exacerbado da experiência. A dada altura é dito que <i>«um bom treino de cães reside na combinação de senso comum com uma base sólida de experiência e uma clara compreensão da forma como os cães pensam e interagem (estrutura de matilha).»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
Ora, para se ter uma vasta experiência num ramo qualquer é necessário, justamente, acumulação de anos que formem essa experiência. Isso implica que, a dada altura no processo, essa experiência não exista ainda; e o indivíduo que mais tarde virá a ser um profissional experiente, ainda não o é. Ora, como um dos requisitos de um bom treino, segundo Ed Frawley, é ter larga e sólida experiência, isso significa que, durante o tempo em que essa experiência ainda não havia sido constituída, e o indivíduo era ainda inexperiente, o treino por si realizado não poderia ser bom. Logo, um indivíduo que seja "bom treinador", segundo Frawley, é um indivíduo experiente; mas, por definição, toda a sua experiência se baseia em anos de mau treino, que equivalem aos anos em que ainda não se detinha a tal base sólida de experiência. A definição de Frawley de "bom treino" é, em si mesma, absurda, pois baseia-se em algo que se contradiz a si mesmo.</div>
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E depois vem o famigerado "senso comum". É verdade que, no inglês americano, "common sense" não é bem "senso comum", mas uma mistura de "senso comum" com "bom senso". Ainda assim, a ideia é extremamente frágil. O senso comum, misturado com o bom senso, é a causa da esmagadora maioria dos problemas que existem no que toca à educação de cães. Aliás, que coisa é essa de senso comum e de bom senso? Desde logo, é algo extremamente variável de cultura para cultura; depois, quando falamos de senso comum falamos de que tipo de comunidade? entre donos experientes e preocupados, certos mitos já se desvaneceram, mas os mesmos continuam a proliferar no senso comum de outros grupos com outros interesses... Basicamente, o apelo ao senso comum e ao bom senso é uma bela desculpa para se evitar um estudo pela via da ciência, e para se validar um tipo de conhecimento baseado nas experiências próprias. O problema é que, como se sabe, as experiências variam de caso para caso e não têm nem podem ter qualquer valor de universalidade ou generalidade. </div>
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No caso específico deste texto de Ed Frawley, o apelo ao senso comum é apenas uma legitimação do valor que é conferido à experiência. O grande argumento inicial de Ed Frawley é, pois claro, a sua vasta experiência. Mas note-se no seguinte: a experiência de Ed Frawley no ramo é, segundo o próprio, superior a 50 anos de trabalho directo com cães, e mais de 40 anos de trabalho profissional. No entanto, há cerca de 12 anos atrás, o próprio Ed Frawley fez uma grande viragem nos princípios que regiam o seu treino, e hoje admite que uma parte significativa do seu trabalho anterior ao início do presente século está ultrapassado e, usando palavras suas, não passava de uma grande porcaria ("it's rubbish!"). Não está em causa a viragem e a renúncia; ela não deixa de ser digna de realce: é preciso uma dose considerável de honestidade e despojamento de si próprio para admitir 30 anos de erros. O que está em causa é que, durante mais de trinta anos, Ed Frawley concebeu práticas que hoje reprova; o que é que isso diz acerca do argumento da experiência? Simplesmente, a experiência tem um papel muito relativo em tudo isto. Não foi por fruto da experiência que Ed Frawley terá mudado de opiniões; terá sido pelo confronto com outras perspectivas, pelo advento e sucesso comprovado de vias alternativas que fizeram Ed Frawley rever os seus princípios, e rejeitar alguns deles. A experiência nunca pode valer como argumento que comprove a legitimidade de uma determinada ideia. Por cada indivíduo com 30 ou 40 anos de experiência que defenda uma determinada ideia, existem quatro ou cinco com experiência igual ou superior que defendem uma ideia contrária. A experiência vale muito pouco, a partir do momento em que vários profissionais com o mesmo nível de experiência chegam a conclusões opostas. E valerá ainda menos quando se trata de conceitos de teor científico. Eu posso um dia chegar a ter 50 anos de prática diária de lavar louça manualmente; mas isso não me vai dar créditos alguns se eu quiser construir um discurso acerca do modo de acção do ácido linear alquil benzeno.. </div>
<div style="text-align: justify;">
Conceitos como os de dominância têm um âmbito bem definido dentro da área da Etologia. Para se falar dele é preciso, pelo menos, ouvir o que está disponível no corpo discursivo da ciência respectiva. Não faz sentido basear todo um sistema de treino e educação de cães num conceito cujo tratamento científico não só se ignora como se coloca propositada e conscientemente de lado. A experiência é manifestamente insuficiente e, sobretudo, nunca pode legitimar nenhum discurso com pretensões de validade universal e sistemática.</div>
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<br /></div>
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(continua...)</div>
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ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-3719924452123059282013-07-29T07:01:00.000-03:002013-07-29T07:01:00.298-03:00Coerência?<div style="text-align: justify;">
O que pensar de um sistema de treino e educação de cães que, <a href="http://leerburg.com/groundwork.htm" target="_blank">de um lado</a>, aconselha vivamente o uso combinado de coleira de bicos (prong collar) e de "coleira para cães dominantes" (dominant dog collar), mas, <a href="http://leerburg.com/318.htm" target="_blank">por outro lado</a>, afirma convictamente que uma coleira de choques eléctricos é «100 vezes mais humana e mais eficiente do que estranguladoras ou coleiras de bicos»? </div>
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<br /></div>
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O que pensar de um sistema de treino e educação de cães que baseia toda o seu programa numa "estrutura de matilha" e numa afirmação do dono do cão como líder dessa estrutura, mas que, ao mesmo tempo, não consegue providenciar nenhuma forma de treino e educação que escape ao uso de utensílios mediadores? Não seria de esperar que a afirmação de um dono como líder alfa da matilha lá de casa dispensasse qualquer recurso a instrumentos de consolidação do poder? Qual o interesse em afirmar uma pretensa posição de liderança, se para isso é necessário um ininterrupto controlo da acção do cão, na maior parte das vezes se tratando de um controlo mediado por instrumentos técnicos?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O que pensar de um sistema de treino e educação de cães que faz das seguintes frases um lema promocional de um seu produto: «Esta coleira não deverá ser usada para infligir uma correcção dolorosa. Ela deve ser usada para retirar o ar de um cão agressivo e dominante»? Qual a distinção que se pode fazer entre "doloroso" e "retirar o ar de um cão"? A mim, de momento, escapa-me tal distinção, mas, de facto, não tenho cinquenta anos de experiência de uso de tais instrumentos...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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O que pensar de um sistema de treino e educação de cães que, para dissuadir os donos de cães de realizarem certas práticas, faz uso recorrente do argumento "um lobo alfa nunca faria isso", mas, ao mesmo tempo, aconselha que 99% da relação com o respectivo cão, nas primeiras semanas ou meses deste lá em casa, seja feita com uma trela posta ou com o cão enfiado numa caixa-transportadora (crate)? Qual é o lobo, alfa ou omega, que passeia os seus filhotes ou inferiores membros da alcateia com uma sofisticada e vistosa trela? </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O que pensar de um sistema de treino e educação de cães que desaconselha, em termos absolutos, qualquer interacção entre os nossos cães e os outros cães na rua? Será possível imaginar forma mais eficaz de tornar o nosso cão num animal extremamente insociável, e, como tal, extremamente difícil de ser passeado num qualquer ambiente urbano?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O que pensar de um sistema de treino e educação de cães que, ao mesmo tempo, realça as virtudes de uma socialização do nosso cão com pessoas, mas desaconselha vivamente que algum estranho faça festas ao nosso cão? Que conceito será esse de socialização que apenas implica a convivência próxima com elementos já conhecidos?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O que pensar de um sistema de treino e educação de cães que não se cansa de alertar para formas de prevenir mordidas de cães e, ao mesmo tempo, aconselha a que o dono (e estou a citar) «se envolva fisicamente com cães de rua» que não se afastem do nosso cão, nos nossos passeios?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O que pensar de um sistema de treino e educação de cães que aconselha a sua audiência a transportar gás pimenta para usá-lo em cães de rua que se aproximem de nós e do nosso cão quando andamos na rua?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div>
<div style="text-align: -webkit-center;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Serão precisos mais cinquenta anos de experiência para que esta gente se aperceba de tamanhas incoerências e absurdos?</div>
<br /></div>
ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-6582462485195455012013-07-27T10:34:00.000-03:002013-07-27T15:43:31.271-03:00Silêncio, por favor<div style="text-align: justify;">
<i>"Desculpe, mas..."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>BUZZ</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"...eu gost..."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>BUZZ</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"...ava de pedir..."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"BUZZ"</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"que me ti..."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"BUZZ"</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"...rasse isto..."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>BUZZ</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"...do meu..."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>BUZZ</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"... pesco..."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>BUZZ</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"...ço, porque..."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>BUZZ</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"...é isto mes..."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>BUZZ</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"...mo que me..."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>BUZZ</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"...está a dei..."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>BUZZ</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"...xar nervo..."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>BUZZ</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"...so e a fazer-..."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>BUZZ</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"...-me falar..."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>BUZZ</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"...sem parar..."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>BUZZ</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"...PORRA."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>BUZZ</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div style="text-align: justify;">
Um cão tem várias formas de comunicar. Ladrar é apenas uma delas; uma entre muitas. Mas todas as restantes implicam uma proximidade física e um grau suficiente de visibilidade. Quando o "receptor" das mensagens não se encontra no horizonte, a única forma de um cão se expressar é vocalizando. Se um cão ladra em demasia quando está sozinho em casa, o problema não está nos latidos, mas no tédio, na solidão, no aborrecimento que advém de não ter nada que fazer nem ninguém com quem estar. A solução passa por enriquecer o ambiente do cão nos tempos de solidão, e estimulá-lo ao máximo no resto do dia, para que os períodos de solidão sejam mais dedicados ao descanso. Se um cão ladra na presença do carteiro, o mal não está no ladrar, mas no incómodo que essa presença causa no cão. A solução passará por uma dessensibilização ao estímulo em causa, e a prevenção estaria numa rica e continua socialização com elementos estranhos. Seria de esperar que profissionais com mais de quarenta anos de prática chegassem a este tipo de conclusões de forma instantânea. Mas não. Por razões misteriosas, ainda há <a href="http://leerburg.com/qaobed.htm#barking" target="_blank">quem</a> prefira concentrar-se no ladrar em si mesmo; ainda há <a href="http://leerburg.com/qaobed.htm#barking" target="_blank">quem</a> se concentre em formas de terminar com os latidos, sem se preocupar no que lhes está subjacente. Invariavelmente, quando isto acontece, a recomendação recai no uso de um colar de choques ajustado para ser accionado ao som dos latidos do cão. O cão ladra, recebe um choque. O cão ladra, recebe outro choque. E por aí fora. «A beleza do sistema é que a estimulação da coleira [de choques] pode ser ajustada para um valor em que o choque não aleija, sendo apenas ligeiramente desconfortável», ouvimos dizer de <a href="http://leerburg.com/qaobed.htm#barking" target="_blank">experimentados e reconhecidos profissionais</a>. A beleza? Qual beleza, meus caros? Que beleza há em relegar a educação dos nossos cães para instrumentos que até nem aleijam muito, e só provocam um ligeiro desconforto? Uma coisa é usar instrumentos que nos ajudem a aprofundar a nossa comunicação com os nossos cães; outra coisa é usá-los para não ter de educá-los de outro modo. </div>
<div style="text-align: justify;">
Em primeiro lugar, a mim não importa se a coleira dá choques muito intensos ou só ligeiramente intensos; por mim até podiam fazer cócegas: é uma desculpa boçal para treinar o cão desde o sofá. </div>
<div style="text-align: justify;">
Em segundo lugar, não me venham com tangas, ok? Se um cão deixa de ladrar devido aos castigos induzidos pela coleira, creio que não é preciso ser muito especulativo para se perceber que o incómodo causado está longe de ser apenas "ligeiramente desconfortável". Quando um cão ladra, sobretudo por recreação quando está sozinho, quando está ansioso pela separação dos seus donos, ou quando está na presença de figuras como carteiros ou ardinas que pairam no portão de casa, esse ladrar é já manifestação de um estado intenso de nervos, ansiedade, desconforto. Para que um cão deixe de manifestar esse desconforto e essa ansiedade pela forma que lhe é mais natural, imaginemos todos nós que a coleira de choques não está apenas a ministrar uma vibraçãozinha.</div>
<div style="text-align: justify;">
Em terceiro lugar: castigar e cessar os latidos não elimina as razões pelas quais o cão está a ladrar. Bem pelo contrário, só se está a aumentar a intensidade da ansiedade e do desconforto em causa. Quando alguém coloca um colar "anti-latido" no pescoço do seu cão, uma de duas coisas está a acontecer: ou não consegue entender absolutamente nada da constituição do seu cão, ou tem as suas prioridades tremendamente pervertidas, pois prefere apagar o desconforto (seu e dos vizinhos) que existe em ouvir o cão ladrar, em vez de se preocupar em cuidar das razões que levam o seu cão a ladrar tão intensamente. No caso de donos inexperientes, a primeira possibilidade é, vá, admissível. No caso de experimentados e reputados profissionais, as duas são igualmente deploráveis. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Para compreender melhor estes três pontos, imagine o caro leitor que está num desses programas para deixar de fumar baseado na administração de choques eléctricos. </div>
<div style="text-align: justify;">
Se recorreu a este método, acredito que o seu vício é consideravelmente acentuado. De outro modo, procuraria outro método, não? Estou certo de que preferiria deixar de fumar usando métodos não só mais saudáveis e menos extremos, mas, sobretudo, métodos que tivessem mais a ver com a sua própria vontade e não com um tipo de condicionamento externo e maquinal. Portanto, <b>ponto um</b>, <i>usar os choques como forma de educar um hábito é um recurso que passa por cima de uma educação comunicativa e voluntária.</i> Em fumadores e em latidores. </div>
<div style="text-align: justify;">
Muito bem, se tem um vício vincado, então teremos de admitir que não é com cócegas nem com vibrações de telemóvel que a coisa vai lá. Esperneie por onde quiser, argumente o que lhe apetecer: os choques têm de ser aversivos o suficiente para que o leitor perca a vontade de fumar. Não há volta a dar-lhe. Portanto, <b>ponto dois</b>: <i>os choques, para funcionarem, têm de ser intensos o suficiente para quebrar um hábito que, de si, é bastante forte e auto-reforçante</i>. Para fumadores e para latidores.</div>
<div style="text-align: justify;">
Agora imagine que fuma por razões de ansiedade ou nervosismo; fuma para aliviar esses estados internos. Ou então, fuma como forma de colmatar momentos de solidão (isto é, para preencher as alturas em que se encontra em público, mas sem companhia). Já se sabe que o comportamento humano é extremamente complexo, e ninguém fuma apenas por uma razão tão clara e linear; mas pronto, façamos este exercício para manter a analogia. Ora, se deixar de fumar por causa da estimulação aversiva que os choques lhe provocam, isso não vai apagar os motivos pelos quais fumava: uma sessão contínua de choques não vai deixá-lo menos ansioso, menos nervoso, nem vai colmatar a sua solidão. Portanto, <b>ponto três</b>, <i>usar choques como forma de parar um hábito não apaga as razões que estão por detrás desse hábito</i>. Em fumadores e em latidores.<br />
E, por fim, imagine que, de todas as vezes que levar choques eléctricos, o técnico que o auxilia está à sua frente. Mas quando não está a levar choques, esse técnico sai de cena. Ora, depois de várias sessões, a presença desse técnico (que apenas está presente na altura dos choques) torna-se antecipador das sensações que os choques lhe provocam. Se acha que não, pense lá bem: o resultado de uma terapia de choques é que o fumador, de todas as vezes que voltar a pegar num cigarro, tem uma náusea extremamente desagradável por causa da associação que lhe foi causada entre o acto de pegar num cigarro e o choque sofrido. Ora, se o choque está associado, não apenas ao acto de pegar num cigarro, mas também à presença daquele técnico em específico, a sensação desagradável também se estende a essa presença.<br />
Agora imagine que não é um humano, com toda a sua capacidade de abstracção e de racionalização das questões; imagine que é uma verdadeira máquina de estabelecer associações: imagine que é um cão. Imagine que costuma ladrar sempre que vê um carteiro e, agora com uma coleira anti-latido, de cada vez que um carteiro está diante de si, leva um choque, porque ladrou. Ora, imagine lá que efeitos este tratamento de choque vai fazer em relação a impressão que vai ter do carteiro. Agora imagine que os cães ladram por mais razões e levam choques em todas essas ocasiões: presença de carteiros, de lixeiros, presença de outros cães... Será de admirar que grande parte dos cães que usam ou usaram coleiras anti-latidos são cães muito pouco sociáveis?</div>
<div style="text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div style="text-align: justify;">
Voltemos, enfim, à epígrafe inicial. Ladrar é uma forma de expressão dos cães. Usar uma forma de castigar cada latido do cão não faz sentido nenhum. Deixa o cão sem qualquer tipo de escolha. Perante situações de perigo ou desconforto, um cão tem sempre três formas de reagir. Fugir, lutar e desistir (suprimir qualquer tipo de actividade; entrar num estado de zombie). Perante um choque de uma coleira, um cão não pode fugir, nem pode lutar. Entra num estado de <i>learned helplessness</i>, num estado de zombie comportamental. Tal cão não aprendeu a deixar de ladrar: aprendeu a desistir de se expressar. O resultado é o mesmo? As prioridades de quem achar que o resultado é o mesmo são, quanto a mim, muito claras: o que importa é terminar os latidos, não importa como, nem importam as consequências.<br />
Não quero dizer que, por ser natural, os latidos devam ser ignorados. Mas se existem outras formas de lidar com eles, por que razão recorrermos a um dispositivo tão <u>frio </u>(porque usa um tipo de comunicação perversa e distante), <u>doloroso </u>(porque inflige dor, digam o que disserem), <u>ineficaz </u>(porque não ataca as causas do problema), <u>castrador</u> (porque remete o cão para uma situação de não-comunicabilidade) e <u>perigoso</u> (porque provoca danos colaterais muito graves no comportamento futuro)? Porquê?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<br />ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-66150260590551886632013-07-25T08:37:00.000-03:002013-07-25T12:46:49.676-03:00Não fui eu!<div style="text-align: justify;">
<i>"O meu cão não me deixa dormir. Ele ladra a noite inteira."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"Hm, e qual a sua acção quando isso acontece?"</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"Tento castigá-lo, mas nada, ele continua."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"Cuidado com a forma como castiga o seu cão."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"Como assim?"</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"Convém que o faça de forma 'despersonalizada'."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"Ãh?! o que é isso?"</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"É um tipo de castigo que é aplicado mas de forma a que o cão não perceba que foi o dono que o aplicou"</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"Ah, estou a ver. Mas por que razão se faz isso?"</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"Para que o cão não aprenda a associar as más consequências ao seu dono."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"Mas não deveria associar? Não deveria ele perceber que sou eu mesmo que o estou a castigar?</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"Pois, mas se ele fizer essa associação, a sua ligação com o seu cão pode ficar deteriorada"</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"Mas não é esse o objectivo do castigo: fazer com o cão perceba que eu não aprovo tal comportamento? Não deveria eu estar a assumir o papel de líder?"</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"eerr, pois, isso é verdade. Mas é melhor que o nosso cão não nos associe aos castigos. Isso pode arruinar a nossa relação com ele..."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Uma das mais recentes modas no treino de cães incide sobre aquilo a que se vem chamando de "punição despersonalizada" (em rigor, isso já se faz há muito, mas a voga do termo é recente, e, com ela, toda uma ideologia adjacente...). O seu princípio é bastante simples: o dono castiga o seu cão mas fá-lo de forma a que o cão não saiba que é o dono que o está a castigar. Tudo em nome da manutenção do vínculo que une dono e cão. Vínculo? Mas qual vínculo? Que vínculo é esse que poderá ser ameaçado pelo facto de corrigirmos o nosso cão frontalmente? Ou deverei perguntar, antes, que castigo é esse que ameaça deitar abaixo o vínculo entre o dono e o seu cão? Das duas, uma: ou o vínculo é extremamente frágil, ou as correcções são demasiado vigorosas. Ou, se calhar, as duas ao mesmo tempo. É que se o vínculo é forte e se a correcção é suave, justa e ponderada, por que raio alguém poderá pensar que o vínculo pode ser desfeito, destruído? </div>
<div style="text-align: justify;">
O mais grave, ainda, reside na forma como toda a lógica pela qual nós educamos os nossos cães é pervertida. Educar um cão é comunicar com ele; a beleza do treino e da educação dos nossos cães é que lhes estamos a ensinar a comunicar connosco, comunicando com eles. Educar um cão é fortalecer o vínculo que nos une. Ora, tudo isto é pervertido quando começamos a congeminar esquemas, montar dispositivos, elaborar engenhocas que castiguem os cães despersonalizadamente, que é o mesmo que dizer, castigar os cães e fingir que não fomos nós. Haverá forma mais perversa, desonesta e cobarde de educar um cão? Se tem dificuldades em conceber o que é um castigo despersonalizado, é só ver os Alexandres Rossis desta vida a enrolar latas com fios fininhos que vão dar a uma tábua que está em cima do balcão da cozinha para que, quando o cão saltar para o balcão e tentar roubar comida, as latas caiam e provoquem um barulho que assuste o cão (esquema bastante estúpido e ineficaz, porque, se o cão tentar uma segunda vez, o barulho já não acontece, e não se cria nenhum padrão de consequências más para o respectivo comportamento); é ver os líderes da matilha desta vida emularem a boca de um cão com os dedos para fingir que, naquele momento, nós próprios somos um cão (um cão esquisito, que tem dentes no fim dos membros e não na boca) e não o humano que lê livros, vê televisão, segura na trela dele mas não usa nenhuma, faz xixi de pé e numa sanita, veste roupas e come com talheres (tudo coisas muito caninas, com certeza); é ver os Rabah Madjer desta vida a dar toques de calcanhar no lombo do cão para "redireccionar" a atenção deste sem que ele perceba que fomos nós que o fizemos; é ver os Muay Thai do treino canino que, para ensinar o cão a não saltar para cima do dono quando este chega a casa, fingem estar muito contentes com o cumprimento dos seus cães, mas, ao mesmo tempo, colocam o joelho de forma a causar um impacto desagradável e, assim, dissuadir o seu cão de repetir a proeza. Repare o estimado leitor no empenho engenhoso de que tanta gente é capaz só para não ter de confrontar o cão. Repare no tempo que muita gente gasta para não gastar tempo a educar os seus cães. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
É neste contexto que surgem as coleiras de choques eléctricos. Para além de poderem castigar o cão à distância, estes dispositivos permitem também providenciar más consequências para os comportamentos errados dos cães sem que essas más consequências sejam associadas ao dono. A mecânica da coisa é mais ou menos esta:</div>
<div style="text-align: justify;">
> o cão está a aprender a seguir o dono, com ou sem trela > enquanto segue o seu dono, nada acontece, nem de bom nem de mau (ou até podem acontecer coisas boas, como o dono ir dando biscoitos; para o efeito em causa, tanto faz) > no momento em que o cão se distrai e segue outro caminho, ou simplesmente pára, leva um choque (sobre a retórica do "não é bem um choque, é uma vibraçãozinha de nada", já se falou aqui no abacaxi, portanto, não venham com histórias, por favor) > o cão assusta-se, olha para o dono > este como que diz <i>"não fui eu"</i> > e cão volta a seguir o dono > o processo repete-se algumas vezes até que o cão aprenda a lição. </div>
<div style="text-align: justify;">
E que tal tirar um tempo para ensinar o cão a gostar de seguir o seu dono? E que tal tirar um tempo para construir uma marca verbal de correcção de comportamento (um non-reward mark, de que falaremos a devido tempo)? E que tal ensinar o seu cão a comunicar consigo e aprender a comunicar com ele?</div>
<div style="text-align: justify;">
Qual é o objectivo da educação do seu cão: dar espectáculo no parque e ter um cão que o segue mesmo sem trela, ou aprofundar a relação que tem com o seu cão? Quando alguém coloca uma coleira de choques no pescoço do seu cão, não preciso de ouvir absolutamente mais nada para saber quais são as suas prioridades. </div>
<br />ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-31501176051154213972013-07-24T06:52:00.000-03:002013-07-24T06:52:00.123-03:00Remote Control<div style="text-align: justify;">
Um dos usos de uma coleira de choques eléctricos relaciona-se com o controlo das acções do nosso cão quando este se encontra sem trela. Nomeadamente, no treino da chamada. Um dos grandes problemas quando treinamos os nossos cães a responder à chamada tem a ver com as distracções que, sobretudo na adolescência, tendem a sobrepor-se a qualquer "valor" que esteja associado à chamada do dono. E, ao contrário do que acontece quando o cão tem um comportamento desajustado quando está à trela ou, simplesmente, quando está em casa ou num outro ambiente controlado e limitado, aqui, em campo aberto, é impossível corrigir o comportamento errado. A não ser que usemos uma coleira de controlo remoto. O princípio é básico: o cão, por qualquer razão, não responde à chamada; o dono ministra um choque à distância; o comportamento errado é corrigido e, como tal, tornado menos provável de ocorrer no futuro. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Aparentemente, a coisa não tem falhas. Independentemente de o choque causar mais ou menos desconforto no cão, podemos sempre argumentar que tudo isso é um mal menor comparado com a eventualidade de o nosso cão ser atropelado ou perder-se. Mas este é um daqueles casos em que tudo começa por uma questão extremamente mal colocada. Na verdade, existe uma enorme petição de princípio a ocorrer aqui. Vejamo-la.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Perguntemos: qual a razão pela qual, para começar, andamos com os nossos cães soltos, sem trela, em campo aberto? Para exercitar e estimular os nossos cães; para eventualmente socializá-los com outros cães; para praticar algumas actividades impossíveis de serem realizadas com trela (frisbee, fetch, etc.).</div>
<div style="text-align: justify;">
Ora, todas estas actividades devem ser um fim em si mesmas. Como tal, o cão deve gostar delas; de outra forma, qual o sentido de praticá-las? (nota: os gostos dos cães não são imutáveis e irredutíveis; eles também são ensináveis, apreensíveis, trabalháveis). Se estivermos a promover um jogo de <i>fetch </i>(recobro, busca), partimos do princípio de que houve um período antecedente de aprendizagem do jogo e partimos, também, do princípio de que o nosso cão gosta do jogo. Como tal, ele deverá estar concentrado no jogo de tal forma que todas as distracções exteriores não o demoverão da actividade. Se ele se distrair a ponto de abandonar o jogo, isso significa que o ambiente está longe de ser o ideal e significa que não é seguro praticar tal actividade em tal local. Se não é seguro, não se realiza. Ponto. Procura-se outro local; treina-se mais o cão; não se solta o cão. Estas são as possibilidades. As únicas. A isto chama-se gestão das variáveis ou do ambiente. </div>
<div style="text-align: justify;">
Colocar uma coleira de choques eléctricos no pescoço de um cão é uma acção que parte sempre do princípio de que andar com o nosso cão sem trela é uma inevitabilidade. Como é óbvio, não o é. Em vez de expor o nosso cão a uma liberdade com a qual ele ainda não sabe lidar e que o pode colocar em sarilhos, por que não seleccionar melhor as actividades a fazer com os nossos cães e os locais onde realizá-las? Em vez de libertar o cão e, com o pretexto de controlá-lo melhor, acoplar-lhe um instrumento de controlo remoto, por que não começar por ambientes mais seguros e ir, pouco a pouco, reforçando o poder da nossa chamada verbal?</div>
<div style="text-align: justify;">
Podemos, eventualmente, nunca chegar ao ponto de conseguir ter um bom controlo verbal do nosso cão em ambientes com grandes distracções, mas quem disse que isso é o objectivo? O objectivo principal de se treinar a chamada do nosso cão não pode ser outro que não o de fortalecer o vínculo que nos une. Se, eventualmente, nunca conseguirmos ter um cão confiável em "ambientes competitivos", paciência. Não faz sentido colocar uma coleira de choques no nosso cão só para que possamos pavoneá-lo, sem trela, pelo parque. É preguiça pura; é egocentrismo puro. Se está a considerar usar esta ferramenta para controlar os movimentos do seu cão, reavalie as suas prioridades: passa-se algo de tremendamente perverso na forma como está a constituir a relação com o seu cão. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
(O abacaxi coloca-lhe um exercício, em jeito de trabalho de casa e revisão da matéria dada. À luz do que o caro leitor já sabe acerca de condicionamento clássico e da forma como os cães criam associações directas através desse tipo de condicionamento, pense lá que tipo de lições e que tipo de consequências terão os choques eléctricos que o seu cão sofrerá quando junto de outros cães?)</div>
ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-34023371780433390712013-07-22T11:50:00.000-03:002013-07-22T19:04:44.904-03:00Buzz<span style="text-align: justify;"><i>«Desculpe, o que é que o seu cão traz ao pescoço?»</i></span><br />
<span style="text-align: justify;"><i>«Ah, é uma coleira de choques.»</i></span><br />
<span style="text-align: justify;"><i>«Choques? Tipo quê?... eléctricos?»</i></span><br />
<span style="text-align: justify;"><i>«Sim.»</i></span><br />
<span style="text-align: justify;"><i>«Isso não soa nada bem.»</i></span><br />
<span style="text-align: justify;"><i>«Ah, não, eu só uso no grau mínimo de intensidade.»</i></span><br />
<span style="text-align: justify;"><i>«Grau mínimo?»</i></span><br />
<span style="text-align: justify;"><i>«Sim, existem vários graus de intensidade, e eu uso no grau mínimo.»</i></span><br />
<span style="text-align: justify;"><i>«Então apanha um choque pequeno, é?»</i></span><br />
<span style="text-align: justify;"><i>«Nem é bem um choque, é uma pequena vibração. Como a vibração de um telemóvel, sabe?»</i></span><br />
<span style="text-align: justify;"><i>«Então, por que não se chama colar de vibrações?»</i></span><br />
<span style="text-align: justify;"><i>«Porque se for nos graus mais elevados, aquilo dá um choque, de facto.»</i></span><br />
<span style="text-align: justify;"><i>«Mas o senhor só usa no grau mínimo.»</i></span><br />
<span style="text-align: justify;"><i>«Sim.»</i></span><br />
<span style="text-align: justify;"><i>«Mas há quem use nos graus mais elevados?»</i></span><br />
<span style="text-align: justify;"><i>«Err, é possível, mas eu não, eu não.»</i></span><br />
<span style="text-align: justify;"><br /></span>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Uma grande fábula contemporânea é contada acerca dos colares de choques eléctricos, segundo a qual estes colares apenas realizam uma pequena vibração no pescoço do cão. Se fosse apenas por uma pequena vibração, esse colar nunca realizaria qualquer acção de castigo. Creio que por esta altura já lhe foram apresentadas, aqui pelo Abacaxi, razões suficientes para compreender por que motivos isto não passa de um logro retórico. </div>
<div style="text-align: justify;">
Um choque ministrado para castigar o comportamento errado é uma forma de castigo positivo. Não importa a intensidade: a sua função é fazer associar o comportamento errado a algo desagradável de modo a reduzir as probabilidades de que o cão repita esse mau comportamento. Ora, já se viu que um castigo positivo apenas é eficaz se for realmente aversivo. Se for algo pouco ou nada desagradável para o cão, o castigo positivo não se sobrepõe aos estímulos que levam o cão a ter o comportamento "errado". Por exemplo, o cão encontra-se solto, num parque, e sai do perímetro desejável; o dono ministra um choque por controlo remoto; se este choque for pouco ou nada incómodo, o ímpeto que levou o cão a sair daquele perímetro continua a ser primário e superior em relação a qualquer estímulo contrário. Ou seja, se o cão, em primeiro lugar, saiu dali da zona, terá havido algum estímulo (um cheiro, um cão ao longe, um lago com patos...) que o atraiu; para que o choque ministrado seja correcção "suficiente" para que o cão perca o interesse em sair do perímetro, ele terá de ter uma intensidade maior do que aquela apresentada pelo estímulo referido. </div>
<div style="text-align: justify;">
Numa palavra, pelas leis mais básicas da aprendizagem, o cão apenas vai deixar de realizar um determinado comportamento se as consequências para esse comportamento forem "mais más do que boas"; para isso, quando um dono usa uma coleira de choques, o choque-correctivo terá de se superiorizar ao apelo que o cão sente em fazer um determinado comportamento (aos olhos do dono, indesejável). Ou seja, terá de ser aversivo o suficiente. Não basta uma vibração para dissuadi-lo. Nos casos em que basta uma vibração, então por que raio se recorre à coleira? Se uma vibração é suficiente, isso significa que o grau de distracção do cão não é assim tão grande, nem sequer o estímulo que o está a atrair não é assim tão intenso; logo, bastaria uma simples indicação verbal da parte do dono. Em vez de colocar uma coleira de vibrações no pescoço do nosso cão, por que não investir em reforçar o poder da chamada verbal?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O que me faz mais confusão continua a ser o seguinte: como é que é possível que as pessoas acreditem nesta retórica tão frágil? Como é que é possível que as pessoas caiam no encanto do discurso do "é só uma vibração"? Colocar um colar de choques no pescoço do nosso cão nunca pode ser uma decisão feita à pressa; como tal, eu esperaria que as pessoas pusessem o seu sentido crítico a funcionar antes de fazê-lo; e, se o fizessem, certamente chegariam à conclusão de que uma vibração apenas nunca será suficiente para fazer aquilo que a nossa voz não consegue. Mas não: as pessoas continuam a não fazer este raciocínio. Por que será?</div>
<div style="text-align: justify;">
A justificação para que tanta gente caia neste engodo está, mais uma vez, na perspectiva moralista de conceber um cão. Só isso pode justificar tamanha falta de sentido crítico. Se um colar de choques corrigisse um cão apenas por despoletar uma ligeira vibração, o mundo seria tal que o cão tivesse uma percepção moral das suas acções. De tal forma que a ligeira vibração funcionasse como um <i>"ei, o teu comportamento está errado"</i>. Era como se o nosso cão pensasse: <i>"ups, cometi um erro, peço desculpa, peço desculpa"</i>. Mas, se assim fosse, não bastaria a voz do dono para dar a entender uma tal mensagem?<br />
<br />
Existem tantas coisas erradas nesse processamento de informação que me é custoso sintetizá-las. Aqui vai um esforço nesse sentido:<br />
<br />
<ol>
<li>Não é por um reconhecimento moral do erro que os nossos cães aprendem: é, antes, pelas consequências que os comportamentos têm;</li>
<li>Se as consequências das correcções são menos intensas do que as consequências inerentes ao comportamento, o cão não vai deixar de realizar esse comportamento;</li>
<li>Ou seja, para que um colar de choques faça realmente efeito, ele vai ter de fazer mais qualquer coisa do que ministrar umas simples vibrações;</li>
<li>Qual é o apelo em fazer do nosso cão um carro telecomandado? Se queriam um Niko Turbo Panther, por que razão escolheram um Labrador preto? </li>
<li>Qual é o apelo em estabelecer uma relação com o nosso cão baseada numa comunicação binária, informática e consumada em vibrações? Se queriam um Galaxy S3, por que razão escolheram um Boxer tigrado?</li>
</ol>
<div>
Mas, então, o que fazer em vez de ministrar choques? A primeira resposta que tenho para dar é: estabeleçam uma relação com o vosso cão. E a melhor forma de estabelecer uma relação com um cão é apostar na educação. Na do cão, mas também na do dono. Só depois de compreendermos melhor o que é um cão é que podemos educá-lo. E, sim, a melhor forma de comunicar com o nosso cão é ensinar-lhe as bases dessa comunicação. E parece-me extremamente boçal basear a nossa comunicação em vibrações e choques à distância. Implique-se na educação do seu cão. Se tiver de corrigi-lo, faça-o honesta e frontalmente. Não há conceito mais detestável do que "a correcção despersonalizada" (sobre isto, dedicarei um curto futuro "post").</div>
<div>
Mas, então, o que fazer, em concreto? É-me um pouco constrangedor ter de responder a esta pergunta, porque me parece óbvia a resposta. No entanto, o próprio princípio de que parte o presente texto baseia-se na realidade de que existe uma estranha dificuldade em responder a esta pergunta. Razão pela qual o Abacaxi fará o esforço de lha dar: treine o seu cão. Ponto. Em vez de delegar o comportamento do seu cão a um dispositivo electrónico emissor de choques, eduque o seu cão a gostar de fazer aquilo que pretende que ele faça. De que forma? Quais as alternativas aos choques? Para isso, é preciso ver em que situações surge o recurso à coleira de choques. Só consigo antever três situações nas quais alguém use uma coleira de choques: (i) para controlar o cão à distância (isto é, sem trela), nomeadamente para "treinar" a chamada do cão; (ii) providenciar um castigo despersonalizado, de forma a que um determinado comportamento cesse, sem que o cão associe o castigo ao seu dono, não estragando, assim, a relação; (iii) uso específico de uma coleira anti-latido, de forma a "ensinar" o cão a não ladrar.</div>
<div>
Os três próximos "posts" irão abordar estes três "casos", em específico. </div>
<div>
<br /></div>
<div>
</div>
</div>
ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-10009033226504498642013-07-18T17:49:00.001-03:002013-07-22T12:30:58.175-03:00Deixa andar, deixa passar<br />
<div style="text-align: justify;">
<i>"Ei, grande cão. Adoro Dobermanns. Também tive um, há uns tempos"</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"Já morreu, foi?"</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"Sim, tivemos de abatê-lo. Teve de ser..."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"Teve?"</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"ya, tu sabes, aquela cena deles ficarem malucos, com a idade. Ele já tinha 8 anos...".</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Depois de melhor espremida a história, percebeu-se melhor o que é que tinha acontecido, na verdade. O cão era sempre deixado a comer sossegado. E nada se passou... até ao dia em que a mãe deste rapaz passava por perto, deixou cair alguma coisa que caiu nas imediações do prato. Baixou-se para apanhar esse objecto, e o cão... isso mesmo, foi-lhe ao lombo.</div>
<div style="text-align: justify;">
A senhora, tão habituada aos oito anos sem preocupações, nem se lembrou de que poderia estar a invadir uma esfera proibida. Não foi capaz, sequer, de vislumbrar qualquer aviso que tivesse eventualmente existido. (Aliás, de um membro de uma família que possui um Dobermann durante 8 anos e ainda acredita num dos mitos mais ridicularizados dos últimos anos, não seria de esperar que fosse capaz de ler sinais de aviso e agressividade de um cão, mas isso é outra história).</div>
<div style="text-align: justify;">
Simplesmente se baixou para apanhar o que tinha deixado cair. Na cabeça dela, nem sequer ia tocar no prato. E mesmo que fosse, tanto quanto sabia, o seu cão não era agressivo nem "mau para os donos"...</div>
<div style="text-align: justify;">
Acontece que o problema que se designa como "protecção de recursos" (Resource guarding) tem muito pouco a ver com a forma como o cão se comporta no resto da sua vida. Mas não é de Resource guarding que se pretende falar hoje (haverá certamente mais oportunidades para fazê-lo). Pretende-se falar de algo muito mais simples mas também muito mais difícil de desconstruir.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O que é que de errado se passou na história? Certamente que uma grande parte das pessoas se concentrará na crença idiota num mito sem pés nem cabeça como esse que "afecta" a raça Dobermann. Mas o estimado leitor, não, o estimado leitor tem um espírito mais crítico e aguçado. Certamente não lhe terá passado ao lado a questão fundamental: à conta de um outro hábito mitificado, um cão morreu, e se em vez de ter sido um adulto, naquela hora tivesse sido uma criança, esta também poderia ter morrido. Qual hábito? A ideia de que "deixar o cão ser cão" implica uma série de coisas, nomeadamente, não importuná-lo na hora da refeição.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ideia que se alia a uma outra, contígua: a ideia de que treinar um cão é, muitas das vezes, robotizá-lo, incomodá-lo, stressá-lo. Ainda não consigo reagir com naturalidade quando alguém argumenta que o treino de um cão o prejudica, e que devemos deixar em paz "o coitado do bicho". Uma coisa é olharmos com crivo crítico para a forma como muitos "treinadores" abusam da desculpa da educação para passar o limite do admissível. Outra coisa é defender uma atitude de <i>laissez faire</i> na educação dos nossos cães. A maior parte dos ataques violentos que vemos serem noticiados não provém de um ensino específico no sentido de o cão ser agressivo. Provém, antes, de educações passivas, que reflectem o espírito "naturalista" a que me refiro aqui. Esta ideia de que devemos deixar o cão ser cão (e não um robot) tem consequências drásticas. Consequências que estão espelhadas no diálogo epigráfico deste "post". </div>
<div style="text-align: justify;">
A pergunta que eu gostaria de ver respondida é: "mas o que é isso de deixar o cão ser cão?" A todas estas pessoas que se identificarem nessa ideia, eu lhes contra-respondo: então deixem lá os pobres dos canitos fazerem os seus xixis e cocós pela casa; deixem-nos usar a boca sem limites para comunicarem convosco, afinal, tratam-se de cães; deixem-nos trepar para as vossas pernas e braços e copular com eles. Deixem andar, deixem passar. Ah, concordarão que há limites para esse naturalismo todo, não é verdade? Pronto, então passemos ao segundo passo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Onde é que esses limites devem ser definidos? O que é que é aceitável e o que não é? E qual a justificação para que uma coisa o seja, mas outra não? O meu conselho: parem com os moralismos que vos atrofiam a mente, e pensem que educar um cão é a forma mais profunda e intensa de nos envolvermos com eles; educar um cão é, também, a forma mais justa que temos de integrá-los num mundo que não é bem o deles. </div>
<div style="text-align: justify;">
E educar um cão é dar-lhe a conhecer as regras deste ser estranho com que convivem; mas é também fazer um esforço para conhecer os vários traços que definem a natureza do cão. Tal investimento na compreensão de uma natureza distinta da nossa fornece-nos um sem número de noções de que não dispomos naturalmente, nem usando o nosso tão afamado bom senso. Não, não basta o bom senso; é preciso mesmo estudarmos, lamento. </div>
<div style="text-align: justify;">
Uma dessas noções de que não dispomos sem nos dedicarmos a estudar e compreender a natureza dos nossos amigos refere-se a esse instinto de protecção e guarda de recursos. Compreender esse instinto implica compreender que ele é natural e, contudo, complexo. O facto de ser natural apenas importa para que percebamos que nenhum cão está a licitar algum tipo de guerra de poderes com os donos quando lhes rosnam perante o prato de comida; no entanto, o facto de ser natural não significa que seja desejável. Morder também é um comportamento natural; ladrar também; isso não significa que deixemos de educar os nossos cães a moderarem esses comportamentos. Numa palavra, o facto de ser natural não impede que seja um problema. Neste caso da protecção e guarda de recursos, o mesmo se aplica. Existem formas de preveni-lo. E existem formas de tratá-lo, quando já é um problema existente. Nenhuma delas implica algum tipo de menosprezo da natureza do cão; nenhuma delas implica qualquer tipo de desconforto, confusão ou perturbação do cão. Pelo contrário, implica que o nosso cão passe a adorar de cada vez que nós nos aproximamos do seu prato quando ele está a comer. É mesmo esse o objectivo. </div>
<div style="text-align: justify;">
Mas ainda há quem insista em deixar andar, em nome da tranquilidade do cão. Caro leitor, pergunto-lhe: qual é o cão que lhe parece mais tranquilo, o cão A que, quando está a comer, rosna a todos que se aproximam dele, ou o cão B, que pouco se incomoda com qualquer aproximação que haja? <i>"ah, mas ninguém tem de se aproximar dele quando ele está a comer"</i>. Se o caro leitor se encontra a pensar isto, neste momento, eu perdir-lhe-ei desculpas, mas dir-lhe-ei que isso é uma demagogia tremenda. Conseguirá garantir-me que, nos próximos 12-15 anos, todos os dias, duas vezes por dia, vai garantir que ninguém se vai aproximar do seu cão quando ele estiver a comer? É que estamos a falar num evento que vai ocorrer umas 10950 vezes... Não vai haver crianças em casa, não vai haver nenhuma vez em que seja preciso mexer em algo ali perto do prato do cão? Não vai?, o que é que lhe garante? E mesmo que minta para si próprio e diga que sim, que vai conseguir garantir um tal hercúleo controlo das variáveis possíveis, pergunto-lhe se prefere este nível de constrangimentos prolongados a perder uns diazitos e tornar o seu cão num cão mais tranquilo e estável?</div>
<div style="text-align: justify;">
Infelizmente, há quem prefira deixar andar... </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-10359231935036620432013-07-15T08:05:00.000-03:002013-07-16T00:37:16.310-03:00Imagine... novamente<div style="text-align: justify;">
Imagine o caro leitor que tem um cão que apresenta um problema com alguma gravidade: sempre que ele está a comer e alguém se aproxime dele e do seu prato, ele rosna. </div>
<div style="text-align: justify;">
Consciente de que este cenário pode desembocar em algo desagradável ou desastroso no futuro, resolve contactar um profissional para tratar do caso.</div>
<div style="text-align: justify;">
Agora imagine que esse profissional (imaginário, claro) confirma as suas suspeitas e lhe diz que não é normal nem desejável que um cão rosne ao seu dono. Imagine ainda que este treinador fictício lhe diz que isso é sinal que o seu cão não o respeita enquanto dono. Imagine.</div>
<div style="text-align: justify;">
Depois, em ordem a demonstrar o que é um comportamento desejável de um cão e, possivelmente, demonstrar-lhe qual a postura que deve ter perante o seu cão e perante a situação, este treinador imaginário leva-o até aos seus aposentos, e decide mostra-lhe o ritual da hora de almoço dos seus vários cães. Imagine o leitor que o seu treinador escolhe aquele que é, confessadamente, o seu melhor exemplar de comportamento e de respeito ao dono. Imagine que ele encosta a cabeça ao prato enquanto este exemplar modelo canino toma a sua refeição. Agora imagine que este cão rosna ao seu dono, isto é, ao treinador que acabou de, imaginariamente, contratar e seguir. O cão rosna ao seu dono; este, do alto dos seus conhecimentos e competências profissionais, exerce um correctivo toque no focinho do seu modelo exemplar. No entanto, o cão volta a rosnar e a mostrar os dentes. O dono desse cão (o profissional qualificado) volta a corrigir o comportamento, desta vez apenas com uma vocalização e um gesto manual sem toque. O cão vira o focinho, de forma a evitar contacto visual, e... como estamos a falar de um cenário imaginário, a cena termina ali sem se saber quantas vezes mais houve rosnares e correctivos. </div>
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<br /></div>
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Quais seriam as conclusões que o estimado e crítico leitor faria das credenciais deste profissional?</div>
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<br /></div>
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a. Ficaria admiradíssimo e rendido perante a capacidade deste treinador em corrigir um mau comportamento apenas com um toque no focinho e uma vocalização? E, como tal, pensaria: "uau, é mesmo este sujeito que quero que trate dos meus cães".</div>
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<br /></div>
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b. chegaria à conclusão de que, quando um cão rosna ao seu próprio dono, isso significa que algo de profundamente errado se passa nessa relação (aliás, havia sido o próprio treinador que lhe havia dito isso em relação a si e à sua relação com o seu cão). E, como tal, pensaria que talvez fosse preferível ter uma segunda opinião (i) de alguém que fosse mais coerente entre aquilo que diz acerca dos seus clientes e aquilo que ele próprio faz com os seus cães; (ii) de alguém que, tendo tido ou não o mesmo problema com algum dos seus cães, já o tivesse resolvido há muito, afinal de contas, tratar-se-ia de um profissional; (iii) estipulasse um plano de tratamento que fizesse com que o cão deixasse, pura e simplesmente, de rosnar ou mostrar qualquer tipo de sinais de desconforto, e não, simplesmente, um plano de tratamento que lhe dissesse de que forma é que deveria corrigir o seu cão sempre que ele lhe rosnasse...</div>
<br />
<br />
Qual seria a opção escolhida pelo estimado leitor, qual seria?ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-161492408129961502013-07-12T15:38:00.002-03:002013-07-29T18:26:33.998-03:00WC - Jogo das consequências<div style="text-align: justify;">
<i>- O meu cão é tão teimoso.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>- Ai, sim? Então, porquê?</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>- Insiste em não fazer xixi na rua. Levamo-lo à rua e ele nada. Aperta, aperta... Depois, mal chegamos a casa, pumba, vai logo fazer um xixi. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>- Deixe-me adivinhar: o caro amigo repreendeu o seu cão sempre que ele fez dentro de casa, certo?</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>- Sim, como sabe?</i></div>
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<i>- Hm, tenho um dedo que adivinha...</i></div>
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<br /></div>
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Na verdade, esse dedo-adivinho chama-se lei da aprendizagem. Lei da qual nenhum cão foge, por muito que isso nos custe e por muito que haja pessoas que interpretem essa afinidade à lei como algo que robotiza os nossos cães.</div>
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<br /></div>
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Aquando da abordagem ao condicionamento operante, vimos que nenhum método de treino existente exclui o uso de castigos. Mas ao longo destes últimos "posts", acerca da questão das necessidades, tem-se vindo a desaconselhar qualquer tipo de castigo aplicado aos nossos cães sempre que eles fizerem xixi no sítio errado. Porquê?</div>
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<br /></div>
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Em primeiro lugar, gostaria de recordar algo de muito importante que foi dito nos "posts" relativos às leis de aprendizagem e ao funcionamento do condicionamento operante: é muito importante saber estes princípios para que os possamos "esquecer" quando os aplicamos. Ou seja, é mau sinal quando andamos com as definições para trás e para a frente sempre que vamos aplicar condicionamento operante. É sinal que estamos demasiados preocupados com aquilo que é, ou deveria ser, secundário.</div>
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<br /></div>
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Em segundo lugar, e consequentemente, temos de ver a situação nela mesma e pensar nas repercussões das nossas acções. Conforme espero que fique claro no final deste "post", castigar o nosso cachorrinho quando ele faz xixi fora do sítio equivale a dar um tiro no pé. Vejamos. (o que se segue é vagamente inspirado numa ideia recolhida de<i> The Culture Clash</i>, da Jean Donaldson)</div>
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Existem quatro cenários possíveis para o evento em causa. Quatro e só quatro:</div>
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a. o cachorro faz xixi no local <i>correcto</i> e o dono está lá para ver;</div>
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b. o cachorro faz xixi no local <i>correcto </i>e não está ninguém a ver; </div>
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<div style="text-align: justify;">
c. o cachorro faz xixi no local <i>errado </i>e ninguém está lá para ver; </div>
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d. o cachorro faz xixi no local <i>errado </i>e está lá o dono para ver. </div>
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Agora vejamos as consequências possíveis:</div>
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a1. o dono recompensa o acto</div>
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a2. o dono ignora o acto</div>
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<div style="text-align: justify;">
b. nada acontece a não ser o alívio da bexiga</div>
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c. nada acontece a não ser o alívio da bexiga</div>
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<br /></div>
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d1. o dono castiga o acto</div>
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d2. o dono ignora o acto</div>
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<br /></div>
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Como vemos, e como é óbvio, só há alternativas quando o dono está presente; quando o dono está ausente, por muito que custe, não há opções: as consequências são inevitavelmente uma e uma só. O cachorro alivia a bexiga sem <i>feedback </i>de ninguém (nem positivo, nem negativo).</div>
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Agora, imaginemos um caso, um exemplo:</div>
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O Patusco, numa bela tarde de Terça-feira, estava, como normalmente, a passar a tarde sozinho em casa. Como normalmente, também, começou a ter vontade de fazer xixi. Dessa vez, decidiu experimentar o chão da sala de estar. Nada aconteceu de extraordinariamente relevante, nem positivo nem negativo. Apenas aliviou a bexiga, e nada mais.<i> "Hm, aqui parece ser seguro"</i>, será a informação processada pelo Patusco. Nesse mesmo dia, à noite, já com os seus donos em casa, o Patusco volta a fazer um xixi no mesmíssimo sítio da sala de estar: não só ele havia pressentido, pela experiência desse dia, que esse sítio parecia seguro, como ainda havia resíduos do odor do xixi precedente. Porém, dessa vez, os donos estavam lá e, muito naturalmente, repreendem e castigam o acto do Patusco. <i>"Epá, afinal este sítio não é assim tão seguro..."</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
No dia seguinte, o Patusco decide experimentar, dessa vez, o chão da cozinha. A sucessão de eventos é a mesma: de tarde, as consequências são neutras (em rigor, são moderadamente positivas, já que o alívio da bexiga já é uma consequência positiva); de noite, as consequências são negativas, pois o seu cachorro é castigado (por fazer exactamente a mesma coisa que havia feito de tarde...).</div>
<div style="text-align: justify;">
A pergunta a fazer é: o que mudou? Qual foi a alteração que fez com que, do dia para a noite (literalmente!) as consequências do mesmíssimo acto sejam tão diferentes? Creio que não parece haver dúvidas, não acha? Claro, o factor diferencial é, justamente, a presença dos donos. Num evento, não se dá a presença dos donos; no outro, os donos estão presentes.</div>
<div style="text-align: justify;">
Os nossos cachorros podem não ter o mesmo tipo de inteligência que a nossa, mas não me parece que demorem muito a chegar às mesmas conclusões. Lembre-se de que um cachorro aprende tudo com base nas consequências para os seus comportamentos. Assim sendo, com base nas diferenças de consequências para um mesmo acto, qualquer cachorro vai aprender a seguinte lição: "ah, ok, já entendi; os meus donos não gostam é que eu faça xixi ao pé deles..."</div>
<div style="text-align: justify;">
E essa lição é reforçada logo a seguir quando o cachorro sente vontade de fazer um xixi, com os donos presentes, mas, desta vez, procura um sítio afastado destes. Qual a consequência para um xixi na divisão ao lado? Lá está: consequência neutra (moderadamente positiva). "ah ah! confirma-se, só tenho é de fazer xixi longe dos meus donos, está feito". Claro que dois minutos depois os donos vêem o servicinho e poderão considerar castigar o seu cachorrinho. É claro que, por esta altura, já o estimado leitor saberá que, nesse caso, os donos estarão a castigar o comportamento que o seu cão acabou de ter (seja ele qual for), e não o xixi de há dois minutos atrás.</div>
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E agora o caro leitor visualize cada passeio do seu cão. Pode ir passear para a rua da frente, para a rua de trás, para o jardim, para o parque, para a praia. Pode encontrar ou não outros cães; pode ser afagado ou não por outras pessoas. Muita coisa pode acontecer de forma variada de passeio para passeio, mas há uma coisa que se mantém inamovível: a presença de um dos donos, bem junto dele. Agora adivinhe lá por que razão é que o seu cachorro se recusa a fazer xixi na rua. Qual será a razão? É a mesma pela qual ele procura uma divisão da casa sem ninguém para fazer lá o seu xixi. Ele aprendeu que fazer xixi junto dos seus donos tem um tipo de consequências bem piores do que fazer longe deles. Isto é pura e simples aprendizagem. Não é teimosia, não é vontade de embirrar consigo, não é nenhuma luta de poderes.</div>
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<br /></div>
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Mas então o que devo fazer quando o meu cachorro fizer xixi no sítio errado?</div>
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<br /></div>
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Em primeiro lugar, deveria ponderar uma viragem de paradigma na forma de pensar. Em vez de pensar em "como terminar o comportamento X" (que, normalmente, só desencadeia uma série de experiências com novas e novas formas de castigar esse comportamento; formas que se vão tornando cada vez mais pesadas e desesperadas à medida que o comportamento insiste em se manter), pense antes "o que é que eu gostaria que o meu cão fizesse em vez de X?", e, consequentemente, "como promover esse comportamento alternativo?".</div>
<div style="text-align: justify;">
Em segundo lugar, leia ou releia os posts anteriores, veja qual é a situação que se aplica ao seu caso (se ainda não tem o seu cachorro, ou se já o tem em casa há tempo suficiente para ele ter criado já um hábito desajustado) e, por último, aplique os passos considerados. Vai ver que tudo se torna muito mais agradável, e menos desgastante; mas, sobretudo, vai ver que a eficácia é surpreendentemente grande.</div>
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<br /></div>
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Ora, por que razão não se deve castigar os xixis e cocós fora do sítio? Porque, simplesmente, estaremos a criar um vínculo entre o castigo e a presença do dono (e não um vínculo entre o castigo e o sítio errado). Não só não ajuda a ensinar o cachorro a fazer no sítio certo, como torna a coisa ainda mais difícil. Porquê mais difícil? Porque, para ensinar de forma sustentada e duradoura o seu cachorro a fazer no sítio correcto, vai ter de lá estar para recompensar; e se entretanto "ensinou" (mesmo que inadvertidamente) o seu cachorro a fazer os xixis e cocós longe de si, fica mais difícil estar lá para recompensar, não acha?</div>
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ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-41529527774576238322013-07-09T16:27:00.000-03:002013-07-18T17:55:04.121-03:00WC, aula prática (quando o cachorro já vive em casa dos donos e já ganhou hábitos inadequados)<div style="text-align: justify;">
(para quem estiver com muita pressa, existe um resumo no final; o leitor poderá passar directamente para lá, se assim o desejar)</div>
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<br /></div>
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O programa descrito no "post" anterior, apesar de extremamente eficaz e consideravelmente fácil de executar, tem um índice de aplicabilidade muito curto. Porquê? Porque, simplesmente, as pessoas apenas começam a considerar a questão como problemática quando o problema já está enraizado e quando um hábito errado já está formado. Quase ninguém se preocupa com o problema antes de ter o seu cachorro, e encara com normalidade as primeiras necessidades fora do sítio. Apenas se começa a sentir toda esta questão como sendo um problema quando ele já está bem enraizado.</div>
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<br /></div>
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Em relação a estes casos (infelizmente, muito mais comuns do que aqueles para os quais se aplicaria o programa <i>Errorless Housetraining)</i>, existe também a ideia de que é apenas precisa alguma paciência e consistência. Mas isso não só é errado como traz consequências bem nefastas. Ao invés, é bem possível reverter a situação num espaço não superior a três dias. Sim, em dois ou três dias o seu cão pode perfeitamente começar a fazer a totalidade dos seus serviços no sítio certo. Ao contrário do programa anterior, aqui haverá sempre a possibilidade de um ou outro acidente depois desses três dias. Mas o que importa é que cada xixi fora do sítio já será tão raro a ponto de podermos considerá-lo um acidente.</div>
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<br /></div>
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Como fazer? Em termos sumários, trata-se de uma aplicação dos princípio mais basilares do programa <i>Errorless Housetraining</i> de que falámos <a href="http://oabacaxidocao.blogspot.com.br/2013/07/wc-aula-pratica-antes-do-cachorro.html" target="_blank">ontem</a>: não deixar o cachorro à solta com a bexiga cheia; promover condições para que o seu cachorro acerte no sítio desejado algumas vezes seguidas; recompensar memoravelmente cada acerto.</div>
<div style="text-align: justify;">
O grande problema é que, por esta altura, o cão já terá desenvolvido uma série de hábitos que servirão de obstáculo ao seu trabalho. Por isso, eu considero que o confinamento de longo-prazo e de curto-prazo não tem grande aplicabilidade. Ao contrário do que acontece com um cachorro que acaba de chegar a nossa casa, não é fácil nem, sobretudo, imediato educar um cachorro que já se habituou a uma rotina de deriva e de liberdade de movimentos a, subitamente, permanecer confinado durante algum tempo.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O <b>primeiro passo</b> a dar será estipular o próximo fim-de-semana como "o fim-de-semana em que o nosso cachorro vai começar a fazer xixi na rua". <i>"Um fim-de-semana inteiro?!?" </i>Sim, é isso mesmo; ou prefere continuar de esfregona na mão mais dois meses?</div>
<div style="text-align: justify;">
Se possível, tente arranjar uma folga na segunda-feira, ou arranjar metade do dia, e outra pessoa de casa arranje a outra metade.</div>
<div style="text-align: justify;">
No Sábado, levante-se o mais cedo que conseguir. Tente acordar antes da hora normal do seu cachorro "acordar para o dia". Durante os seus afazeres matinais, seja o mais rápido possível e mantenha o seu cachorro em vigilância e o máximo de tempo sentado ou deitado. É essencial que o seu cachorro não faça nenhum xixi ou cocó nesse período. Se vir que é melhor, embale um pequeno-almoço "portátil" de véspera e tome-o na rua. Antes de sair, não se esqueça de levar consigo algumas tiras de fígado cozido, frango cozido, salsichas ou cubos de queijo.</div>
<div style="text-align: justify;">
E... vamos para a rua. Vamos passear. Deixe o seu cão cheirar "os cantos" à vontade. Lembre-se do objectivo do fim-de-semana. Tudo o resto é secundário. Alongue o passeio até entre duas a três horas. Não precisa de andar o tempo todo. O importante é que o seu cachorro fique na rua durante esse tempo para poder fazer no "sítio certo". No entanto, não esteja sempre parado, como é óbvio. Estipule qual é o tempo que vai passar na rua; eu acho que ajuda ter tempos bem definidos de antemão. Se, durante este primeiro passeio, o seu cão fizer... já sabe, não poupe nas recompensas! E ajuda se se demonstrar muito contente e amigável com o seu cão. Duas coisas, no entanto: não abuse na histeria e nos afagos... há cães para os quais tais apertos não são muito recompensadores; e, por favor, não seja cerimonioso a dar as recompensas - o tempo de dá-las é no momento exacto em que o seu cachorro termina o serviço. Para isso, convém ter as recompensas à mão. Passado o tempo estipulado, no entanto, é provável que o seu cão não tenha feito nada. Tanto mais provável quanto mais habituado estiver o seu cachorro a fazer as necessidades em casa. Se ele não fizer nada nessas horas, tudo bem, está tudo previsto.</div>
<div style="text-align: justify;">
Volte para casa. Assim que estiverem perto de casa, e o seu cachorro já tiver compreendido que estão a chegar, abrande o passo e faça tudo um pouco mais devagar. Por esta altura, o seu cachorro já terá "programado" a sua bexiga para se ir soltando, pois estão prestes a chegar à casa de banho... que, na cabeça dele, ainda é o <i>parquet</i> lá de casa. Assim que chegarem a casa, peça ao seu cachorro para se sentar. Aproveite para treinar o comando 'senta' (ou 'deita'). Recompense-o generosamente, mas, claro, nunca usando as recompensas especiais que reservou para os xixis lá fora. Os 'sentas' servem, evidentemente, para evitar que o seu cachorro se alivie lá dentro. Passado um ou dois minutos deste exercício, é hora de voltar a sair de casa. Por esta altura, como o seu cachorro achava que estavam a chegar a casa, ele já se estava a preparar para ir fazer o seu xixi matinal. Por isso, é bem provável que ele já esteja bem "apertado". Tenha imenso cuidado para que ele não se alivie no elevador ou pelas escadas. Se houver escadas longas para percorrer, ou percursos demorados no elevador, é boa ideia pegar no seu cachorro ao colo ou promover uma viagem de elevador bem sentado!</div>
<div style="text-align: justify;">
Uma vez chegados à rua, novamente, estão em território seguro. E agora é bem provável que o seu cachorro já tenha mais dificuldades em aguentar-se. Estipule um tempo de, aproximadamente, uma hora para este novo passeio. Se houver mais do que uma pessoa em casa, é boa ideia repartir os diversos passeios. Se, durante esta hora, o seu cachorro nada fizer, volte para casa e repita o processo. Desta vez, não arrisque sequer ficar mais do que cinco segundos em casa. Mal entra, volta imediatamente a sair. E vá para um terceiro passeio.</div>
<div style="text-align: justify;">
Repita este procedimento até que um primeiro e histórico xixi saia! Acredite que vai sair, porque vai mesmo. Pode demorar mais ou menos "passeios", mas acredite que até à hora de almoço vai haver "novidades no pelotão". Este é o ponto mais fundamental do processo: conseguir um primeiro xixi fora de casa e recompensá-lo desalmadamente.</div>
<div style="text-align: justify;">
Duas dicas para esta fase: nunca use todas as recompensas para esse primeiro xixi. Lembre-se de que vai haver, algures, um cocó. E lembre-se de que pode haver um segundo xixi. Se apenas um "evento" for premiado, o seu cachorro vai certamente processar a informação como coincidência. E tudo aquilo que nós queremos é que o seu cachorro faça uma associação bem forte entre "xixi na rua" e "fígado, fígado, fígado!!". Segunda dica: após o seu cão ter feito um serviço qualquer, não se dirija para casa. Rapidamente o efeito negativo de "voltar para casa" vai apagar o efeito positivo das recompensas que recebeu. Ao invés, depois do xixi do seu cão e depois das respectivas e imediatas recompensas, torne o passeio mais divertido nesse preciso momento. Faça alguma coisa de que o seu cão goste. Um jogo de "tug", uma corrida... Se houver algum terreno seguro (repito: seguro!) nas redondezas, encaminhe-se para lá, solte-o e deixe-o correr; de preferência, leve umas bolas de ténis e atire-as. Da primeira vez, não vai haver nenhuma associação, mas passadas algumas repetições, o seu cão vai facilmente concluir que todas essas coisas extraordinariamente boas acontecem depois de ele fazer xixi na rua. "Estes humanos são doidos; eles adoram urina na rua. Não acredito que estive este tempo todo a desperdiçar esta minha riqueza renovável no chão lá de casa!".. é mais ou menos este o "pensamento" que queremos que o nosso cão processe.</div>
<div style="text-align: justify;">
Volte para casa. É hora de almoço. Mas não é hora para relaxar. Qualquer acidente nesta fase é desastroso. Ainda não houve um historial de boas consequências para poderem abafar um acidente. Passados dois dias inteiros de xixis e cocós na rua altamente recompensados, aí sim, até nos podemos dar ao luxo de ter um acidente pontual... Mas nesta altura, simplesmente, não! Um dos membros da família (podendo haver rotatividade) vai ter de ficar mais de olho no cachorro durante o almoço. Peça ao seu cachorro para ficar o maior tempo possível deitado e, se possível, na caminha dele. E sempre junto de vós! Eu aconselho a que levem um copo com uma porção de ração do seu cachorro (aquela designada para o almoço, por exemplo). Digam ao seu cachorro para se deitar a uns três metros da mesa. E, de 15 em 15 segundos, atirem um pedaço de ração. Ao mesmo tempo que impede o seu cachorro de andar pela casa e poder fazer um xixi aqui ou ali, está a treinar o seu cachorro a ficar deitado, calado e sossegado enquanto o resto da família almoça. (Se quiser continuar com este treino, aumente 10 segundos a cada novo dia; ou seja, no almoço de domingo já será de 25 em 25 segundos que irá atirar um pedaço de ração).</div>
<div style="text-align: justify;">
Assim que terminarem o vosso almoço, também o vosso cachorro terá terminado a dele (a ração que lhe foram atirando ao longo do vosso almoço). Ou seja, na próxima meia hora é altamente provável que um xixi e/ou um cocó estejam para sair. É hora de ir para a rua!</div>
<div style="text-align: justify;">
A partir daqui, já sabe a rotina. Estipule uma duração para cada passeio. Ao fim dessa duração, caso não haja novidades, volte para casa, e volte a sair imediatamente. Se houver novidades, premeie entusiasticamente e não volte logo para casa.</div>
<div style="text-align: justify;">
Quando o seu cachorro já tiver feito as suas necessidades "pós-almoço", poderá voltar para casa (mas não imediatamente, já sabe) e descansar um pouco. Por esta altura, o seu cachorro quererá tirar uma boa sesta, pois passou a manhã toda para lá e para cá. Aproveite esse facto. Assim que o seu cachorro acordar, ele vai querer aliviar-se, de certeza. Nessa altura, mal ele acorde, leve-o novamente à rua. E, já sabe, espere até ele fazer alguma coisa e recompense vigorosamente quando tal acontecer. </div>
<div style="text-align: justify;">
Repita estes procedimentos ao longo do fim-de-semana (e, se possível, durante também um terceiro dia de folga dos donos). Quando voltarem à rotina da semana, é natural que aconteça um ou outro acidente dentro de casa. O importante é fazer com que os acidentes sejam isso mesmo: acidentes. Ou seja, excepções à regra. Para isso, nos primeiros dias de rotina "normal", certifique-se que o seu cachorro faz as suas necessidades antes dos donos saírem para o emprego. Isto é: passeie o seu cão antes de ir trabalhar. E faça o mesmo quando chegar a casa. O quanto antes. Tudo para que o seu cão fique o mínimo de tempo possível em casa, com o chão "à disposição". </div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Duas sugestões adicionais: </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
1. Pode, evidentemente, experimentar instituir um plano de confinamento de longo-prazo, tal como o descrito no "post" anterior. Dessa forma, poderá controlar melhor o tempo em que o seu cachorro fica sozinho em casa. O problema, tal como foi dito mais acima, é que, por esta altura, o seu cão já estará habituado a andar à deriva, pelo que será mais difícil habituá-lo ao confinamento do dia para a noite. O meu conselho: ao longo do fim-de-semana, experimente ir promovendo algum tempo de confinamento de longo-prazo. Saia de casa por uns vinte minutos e deixe a gravar (som ou imagem), para perceber se o seu cachorro ficou tranquilo. Se não tem mais tempo para além do fim-de-semana para treinar o confinamento de longo-prazo, e se o seu cão não reagiu lá muito bem, eu aconselharia a não deixá-lo confinado logo na segunda-feira. Isso pode ter efeitos indesejáveis...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
2. Durante a primeira semana imediatamente a seguir a este fim-de-semana, é aconselhável que tenha alguém que possa ir a casa passear o seu cachorro de forma a minimizar as horas <u>seguidas</u> que ele passará sozinho. Se não houver alguém de casa disponível para tal, e se não houver nenhum amigo ou familiar que se voluntarie para essa ajuda, considere contratar os serviços de um "dogwalker". É só durante uma semana...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
Apesar desta extensão toda, o programa a seguir é relativamente simples. Resumamo-lo:<br />
<br />
<br />
<ul>
<li>Reserve o próximo fim-de-semana para o efeito. Não faça mais planos. Vai "perder" dois dias de fim-de-semana, mas vai ganhar muito sossego e vai fortalecer a sua relação com o seu cachorro;</li>
<li>Na Sexta-feira, prepare alguns lanches para a família. Vai passar muitas horas fora de casa no Sábado e no Domingo; e prepare várias tiras de fígado cozido (ou outras iguarias supremas) para premiar as necessidades na rua</li>
<li>Comece o programa, no Sábado, o mais cedo que conseguir. Acorde antes da hora normal do seu cão acordar, e antecipe-se ao primeiro xixi matinal dele.</li>
<li>Leve-o o quanto antes para a rua e espere duas horas - é importante estabelecer um prazo; se andarmos na rua indefinidamente, vamos perder mais facilmente a paciência;</li>
<li>Se o seu cão não fizer nada, não desespere: volte para casa, e, assim que entrarem em casa, peça ao seu cão para se sentar, aguente um ou dois minutos (vá dando alguns biscoitos para mantê-lo nessa posição durante tanto tempo..., dê biscoitos de valor pouco significativo, para não ofuscar as recompensas "premium" reservadas para o "grande evento");</li>
<li>Saia por mais trinta ou sessenta minutos; </li>
<li>Repita o processo até ter o primeiro xixi na rua;</li>
<li>Assim que este surgir, recompense de forma bem memorável. Cinco pedaços de fígado cozido, umas festas e umas "sorridentes" palavras de apoio são recomendáveis. </li>
<li>Não volte para casa imediatamente; não associe o xixi ao "fun's over". Ao invés, comece um passeio mais divertido, levando-o para zonas mais atractivas, e promovendo brincadeiras (ajustáveis ao espaço em que estiver, claro)</li>
<li>Depois das brincadeiras, volte para casa;</li>
<li>Mantenha o seu cachorro na cama dele, no seu colo, deitado no sofá... numa posição em que, para ir fazer novo serviço implicará um movimento bem perceptível. Se ele se levantar, leve-o imediatamente à rua.</li>
<li>Os três princípios gerais são: passar muito tempo na rua, ter o cão sob extrema vigilância quando em casa, e sair para a rua mal o cão saia da sua posição de descanso. <b>Não espere para ver se o seu cão vai mesmo fazer ou não. </b>É muito provável que vá mesmo fazer alguma coisa. E, nessa altura, não adianta castigar. O mal já está feito, e o trabalho realizado até aí fica seriamente comprometido. </li>
<li>É por isso que fazemos isto num fim-de-semana: para ter oportunidade de fazer com que o nosso cão tenha vários "acertos" sucessivos. Se fizermos isto dentro da rotina normal, vamos ter um "acerto" entre um ou vários "enganos". Dessa forma, o processo dura muito mais tempo</li>
</ul>
<div>
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Acerca do porquê de não ser aconselhável castigar-se o nosso cachorro por fazer no local errado, em circunstância alguma, o abacaxi dedicará o próximo "post". </div>
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<br />ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-16738393467922229752013-07-06T07:09:00.000-03:002013-07-06T10:50:10.423-03:00WC, aula prática (antes do cachorro chegar a casa)<div style="text-align: justify;">
A melhor forma (a única?) de se educar um cachorro a fazer as necessidades no local certo desde o primeiro dia é aquela descrita pelo assertivo Ian Dunbar. Refiro-me ao programa que o próprio denomina <i><a href="http://www.dogstardaily.com/training/errorless-housetraining" target="_blank">Errorless housetraining</a> </i>(para aceder ao link é preciso registo, que é gratuito). Se implementado sem falhas, este "programa" de treino permitirá que o seu cachorro faça ZERO servicinhos fora do sítio. Se o seu cachorro fizer algo fora do sítio, a prescrição de Ian Dunbar é esta: "pegue num jornal, enrole-o bem enrolado e bata com ele... na sua própria cabeça!; se isso aconteceu é porque não foi capaz de levar a cabo um plano simples de treino". E a verdade é que é um plano extremamente simples. </div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A <u>primeira coisa</u> a ter em mente é a seguinte: não deixe o seu cão à solta e à deriva pela casa com a bexiga cheia. Ou seja, a altura de deixar o seu cão à solta e de promover brincadeiras pela casa só pode surgir depois de o seu cachorro fazer xixi. Quanto aos cocós, o procedimento será semelhante, mas apenas nas alturas posteriores às refeições (ou nas alturas que o dono já tiver percebido que são horas do wc do seu cão). Mesmo durante as brincadeiras, é má ideia deixar o seu cão à solta sem supervisão. Regra de ouro: <i>deixe o seu cão à solta apenas quando o próprio dono está com ele, e apenas depois das necessidades feitas.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
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<u>Segunda coisa</u>: "mas como é que vou fazer para não deixar o meu cão à solta?". É aqui que entram dois conceitos importantes: Confinamento de curto-prazo e confinamento de longo-prazo. </div>
<div style="text-align: justify;">
O <b>confinamento de curto-prazo</b> (também muitas vezes denominado <i>Crate training</i>, embora não seja, necessariamente, a mesma coisa) consiste em deixar o seu cão confinado num espaço relativamente pequeno durante períodos não superiores a 60 minutos. O melhor local possível para manter o seu cão confinado será uma caixa-transportadora. </div>
<div style="text-align: justify;">
"Mas o meu cão não gosta de estar fechado." Então ensine-o a gostar. O treino de cães pode ter muitas definições, mas para mim a única viável é <i>fazer com que o seu cão goste de fazer aquilo que lhe é pedido</i>. Ora: encha um Kong, ou objecto similar, com uma porção (previamente humedecida e congelada) da ração diária do seu cão (das primeiras vezes, eu recomendo que misture algo mais apetitoso, em pouca quantidade, e no topo do Kong, para aumentar a atracção pela coisa). Atire o Kong bem para o fundo da caixa-transportadora e impeça, por alguns segundos, o seu cão de ir lá para dentro, de forma a aumentar a vontade do seu cão lá entrar. Depois, deixe o seu cão entrar, e espere uns 20 segundos para ver se o seu cão se entusiasma verdadeiramente com o Kong. Se ele se entusiasmar, então feche a porta. Ele nem irá notar. Mas, se ele não se entusiasmar, é perigoso fechá-lo nessa situação, pois ele estará focado no facto de ter ficado preso e pode facilmente ganhar aversão à caixa-transportadora. Neste caso, faça um Kong mais atractivo. Eventualmente, irá encontrar uma receita que faça o seu cão esquecer o mundo por alguns minutos. Durante o tempo em que o seu cão estiver confinado na sua "caminha", ele não vai fazer nenhum xixi. Mantenha o seu cão lá dentro durante períodos não superiores a 60 minutos. No final de uma hora fechado na caixa-transportadora, é provável que o seu cachorro tenha vontade de "eliminar". Leve-o até ao sítio desejado (no caso de o WC ainda ficar longe, poderá mesmo levá-lo ao colo para evitar que ele faça pelo caminho). Espere uns minutos. Eventualmente, ele fará qualquer coisa. Aí, não se coíba com as recompensas. Tenha à mão alguns pedaços de fígado cozido para lhe dar imediatamente após o serviço. Se demorar alguns segundos mais, poderá estar já a recompensar um outro comportamento, e não o xixi no local certo. Se ele não fizer nada durante uns 3-5 minutos, volte a colocá-lo na caixa-transportadora. E volte a retirá-lo passados 30 minutos, levando-o novamente ao WC. Repita o procedimento quantas vezes for necessário até que o seu cachorrinho faça alguma coisa. O importante é que ele faça as primeiras vezes no sítio certo; e que, em todas essas vezes, ele seja memoravelmente recompensado. </div>
<div style="text-align: justify;">
Das primeiras vezes, use sempre um Kong bem atractivo para colocá-lo dentro da caixa-transportadora. Não se preocupe, um Kong pequeno leva muito pouca quantidade, pelo que dá para distribuir a quantidade diária de ração por vários Kongs diários. A partir do segundo dia poderá intercalar o Kong com um brinquedo ou um osso para roer. Escusado será dizer que a totalidade de refeições vai ser dada na forma de Kongs e dentro do confinamento. Isto acelerará o gosto do seu cachorro pelo espaço de confinamento. </div>
<div style="text-align: justify;">
Bom. Isso é tudo muito bonito, mas as pessoas têm de trabalhar, e podem não estar disponíveis para tomar todas estas medidas. É aqui que entra o segundo conceito.</div>
<div style="text-align: justify;">
O <b>confinamento de longo-prazo</b> consiste em deixar o seu cachorro dentro de uma espécie de parque para cães (similar aos parques para bebés). Dentro desse parque haverá: a caixa-transportadora (ou outro tipo de cama, embora o ideal seja que a cama do seu cachorro seja a caixa-transportadora, por vários motivos, de entre os quais, o confinamento de curto-prazo), um prato para a água, um local designado e preparado para acolher as fezes e a urina do seu cachorrinho, e alguns kongs e brinquedos para o seu cão não só se entreter mas, sobretudo, aprender a adorar o seu "cantinho". O local para as necessidades deverá encontrar-se no canto mais afastado da cama, para aumentar as probabilidade de o seu cão acertar no sítio correcto. Convém que o "wc" seja constituído por um material muito absorvente, para que o seu cachorro possa lá ir mais do que uma vez (se o sítio estiver muito ensopado, o seu cachorro pode escolher um outro...). </div>
<div style="text-align: justify;">
Para ensinar o seu cão a gostar de estar dentro do seu parque, proceda de forma análoga àquela descrita para a caixa-transportadora. Atire um kong lá para dentro, e impeça, por uns segundos, o seu cão de lá entrar; passados alguns segundos deixe-o entrar e feche a porta. Das primeiras vezes, mantenha-se lá por perto. Gradualmente vá-se afastando até deixá-lo durante alguns minutos sem ninguém por perto. Em acrescento, promova alguns momentos de interacção e brincadeira dentro do parque. Tudo com o objectivo de tornar o espaço altamente valioso e agradável para o seu cachorro. Tudo para que ele fique lá contente e tranquilo quando tiver de lá ficar sozinho. </div>
<div style="text-align: justify;">
A diferença entre este tipo de confinamento e o anterior é, como o nome indica, a duração do tempo que o cachorro lá vai ficar. Enquanto o confinamento de curto-prazo (na caixa-transportadora) servirá para as alturas em que os donos estão em casa, e não deverá durar mais do que 60 minutos, o confinamento de longo-prazo servirá para as alturas em que os donos estiverem ausentes. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<u>Vantagens colaterais</u>: para além de não andar a fazer cocó e xixi indiscriminadamente pela casa fora, o confinamento de longo-prazo vai impedir que o seu cachorro ganhe hábitos destrutivos, vai impedir que ele comece a ganhar gosto em roer os móveis e tapetes de sua casa. Mas, melhor do que tudo, vai habituá-lo a roer apenas e só os brinquedos dele. Porquê? Porque são as únicas coisas disponíveis para ele roer e, sobretudo, são coisas altamente atractivas, recompensando fortemente cada momento de roedura correcta! </div>
<div style="text-align: justify;">
A cereja no topo do bolo é que o seu cão, ao cumprir este programa, está praticamente a treinar-se sozinho a não fazer asneiras quando está... sozinho.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Com o passar do tempo, aumente as zonas de confinamento de longo-prazo e reduza os períodos de confinamento de curto-prazo. Faça-o apenas e só se o seu cão der sinais de que está pronto para "assumir a responsabilidade". Se o fizer com critério e gradualmente, não tarda o seu cão terá livre acesso a toda a casa, ou, pelo menos, às divisões que o dono desejar permitir. </div>
<div style="text-align: justify;">
Curiosa e ironicamente, este é o processo inverso ao processo que ocorre com mais frequência. Na maior parte das vezes, os cachorros começam com liberdade de movimentos quase indiscriminada, e vão vendo as suas liberdades ser reduzidas a pouco e pouco... O processo normal e natural de aprendizagem é o inverso: começar com menos liberdades e responsabilidades, e ir aumentando à medida que o comportamento do cão dá sinais de "merecer a confiança". </div>
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<br />ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-82413565955521285112013-07-05T07:55:00.000-03:002013-07-05T08:33:47.848-03:00WC<div style="text-align: justify;">
<i>Caros foristas, </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>estamos com um problema: o nosso cachorrinho teima em fazer as necessidades no sítio errado. Nós damos passeios longos, e nada; mas assim que chegamos a casa, ele faz logo um xixi no chão. Agradecíamos ajuda, por favor. Obrigado.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Os fóruns sobre cães, por esse mundo fora, estão inundados de tópicos deste tipo. E é normal que assim seja, já que é um problema que afecta praticamente toda a gente que acaba de acolher um cachorro para sua casa. O que me apoquenta é a forma como a esmagadora maioria dos conselhos que são dados sejam deste tipo:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Ah, isso é normal. O que é preciso é ter paciência. Mais tarde ou mais cedo ele acaba por perceber. Tem é de ser consistente. Castigue quando tiver de castigar, recompense quando ela fizer no sítio correcto.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div style="text-align: justify;">
Existem dois enormes problemas neste tipo de conselhos e respostas. O primeiro tem a ver com a vagueza das sugestões. "Ser consistente"? É como se o dono que colocou a dúvida pensasse assim: "uau... nunca me lembrei disso; boa, até agora eu estava a ser inconsistente, mas, sim, agora vou passar a ser consistente". "Recompensar quando fizer no sítio certo"? "sim, boa, como é que nunca me lembrei disso!"</div>
<div style="text-align: justify;">
O problema não é ser ou não consistente; o problema é como se ser consistente. O problema não é recompensar quando o cão fizer no sítio certo; o problema é como fazer com que ele faça no sítio certo, e como recompensar.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O segundo problema é mais subtil e, no entanto, mais importante. Parece-me que as pessoas que respondem e dão este tipo de conselhos já não têm cachorrinhos bem novos há muito tempo; talvez nunca tenham tido, pois talvez tenham apenas adoptado cães já adultos ou adolescentes. Digo isto porque me parece que é demasiado grande a desfaçatez e facilidade com que alguém aconselha outra pessoa a ter paciência quando esta passou as últimas semanas ou mesmo meses de esfregona na mão, a trocar a água do balde, a experimentar produtos novos, a pisar cocós, a andar pela sua casa com imenso cuidado para não pisar uma poça de xixi. Se nada fizermos, em termos activos, para corrigir este "comportamento", provavelmente vamos passar uns cinco meses (às vezes mais) nesta rotina. Há pessoas que enlouquecem por muito menos. </div>
<div style="text-align: justify;">
Uma vez mais, o problema está no moralismo que assola a comunidade de donos de cães e na forma hostil com que esse moralismo é destilado contra pessoas que se queixam de problemas que qualquer pessoa considerará... problemáticos. De forma implícita (e por vezes explícita!), há uma mensagem nesses conselhos: </div>
<div style="text-align: justify;">
"ter um cão implica trabalho e dedicação; se não tens paciência para esperar, nem estômago para andar a limpar xixis todos os dias, então não devias ter um cão...".</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E é justamente este tipo de mentalidade que forma mais um grande e delicado mito acerca da educação de cães. É mais ou menos tácito e universalmente aceite que um cachorrinho, quando chega a casa dos seus donos, vai fazer alguns xixis e alguns cocós pelo chão da casa; é mais ou menos tácito e universalmente aceite que é com o tempo que eles vão aprendendo a fazer as necessidades no sítio correcto. É tudo uma questão de tempo. Pois, mas durante <i>esse tempo </i>a vida dos donos não é a mais agradável de todas; durante esse tempo cria-se algo extremamente perverso: os donos esperam ansiosamente que esta fase termine quando, na verdade, foi justamente para "apreciar" e "aproveitar" esta fase de cachorrinho que os donos foram buscar um cão com oito semanas...</div>
<div style="text-align: justify;">
É contra este mito que gostaria de dizer uma coisa: <i>é perfeitamente possível ensinar o seu cachorro a fazer as necessidades no sítio correcto desde o primeiríssimo dia</i>. E para os casos em que o problema já existe, ou seja, o cachorro já está em casa e já está a fazer as necessidades no sítio errado, também gostaria de dizer o seguinte: <i>é perfeitamente possível ensinar o seu cachorro a começar a fazer as necessidades no sítio correcto em dois ou três dias</i>. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
É claro que, para tal, é preciso mais do que noções vagas e dispersas como "ser-se consistente", "ser-se rígido, mas justo", "ter-se paciência". Na verdade, este tipo de expressões não querem dizer absolutamente nada. É preciso que haja noções concretas e que se tomem passos bem claros e definidos para se obter os resultados desejados. Para isso, dedicarei os próximos dois "posts" para realizar uma espécie de aula prática para cada uma das situações descritas, isto é, para os casos em que o cachorro ainda não chegou a casa, e para os casos em que o cachorro já está em casa e já começou um hábito incorrecto ou indesejado. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Para já, no entanto, uma primeira ideia: para melhorarmos a forma como lidamos com este problema temos de deixar cair o mito de que <i>todos os cachorrinhos precisam de tempo para aprender a fazer as necessidades no sítio correcto, e eventualmente acabam por acertar</i>. </div>
<div style="text-align: justify;">
É mentira. E não só é mentira como é perigoso e desnecessário. A partir da ideia de que é apenas uma questão de tempo, começam a surgir as típicas dores de cabeça, a falta de comunicação entre cão e dono, os castigos desnecessários, os castigos de cabeça quente, os cães começam a acautelar-se perante algumas atitudes dos seus donos (atitudes pouco compreensíveis do seu ponto de vista)... e tudo por causa de um mito que insiste em difundir-se e sedimentar-se. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-62305356976596818402013-07-03T11:23:00.000-03:002013-07-03T11:23:32.514-03:00Podes ir!<div style="text-align: justify;">
<i>Ó, mãe, já posso ir à água?</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Não, filho, ainda estás a fazer a digestão.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>(...)</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>E agora, mãe, e agora?</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Ainda não...</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>(...)</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Mãe, e ag...</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Podes ir!</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Lembra-se de quando era criança e ouvia as palavras mágicas "Podes ir!"? Caso não se lembre, tente observar a alegria de uma criança quando ouve estas palavras. Estou a falar a sério: vá até uma aí por volta da hora de almoço e veja todo este processo desenrolar-se. É de uma utilidade extrema para a educação do seu cão.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas o importante é aquilo que vem a seguir:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Posso?</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Podes.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>YEEAAAAHHHHHH!</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>(...)</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>(durante o período do banho, dentro da cabeça da criança): "hm, a água está mesmo boa... hm"</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>(...)</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Ó, Miguel, anda cá.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Oh.... que seca....</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Deixa cá ver as tuas mãos... ok, não estão roxas... Podes ir!</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>YEEAAAAAHHHH!</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Como é óbvio, o período em que a criança está na água é bastante agradável e tem o relativo poder de atractividade para a criança. Mas qual é que o leitor acha que é o momento em que a alegria da criança atinge o seu mais alto ponto? </div>
<div style="text-align: justify;">
Façamos um gráfico.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhTvEq2m9ar7brflGMajQckUQY_ZZFgvFULZC0kVy8E3UtHNNT8iddY5ZYD2exUPX5XspT8O7nRvt9cePPd8ZEx4zr2BUf85h9tznp4GpCFOGwx6BQcVu8Mr548i1IH_Ax2zRFfFNu1eYvB/s1600/gr%C3%A1fico1.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;"><img border="0" height="376" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhTvEq2m9ar7brflGMajQckUQY_ZZFgvFULZC0kVy8E3UtHNNT8iddY5ZYD2exUPX5XspT8O7nRvt9cePPd8ZEx4zr2BUf85h9tznp4GpCFOGwx6BQcVu8Mr548i1IH_Ax2zRFfFNu1eYvB/s640/gr%C3%A1fico1.jpg" width="640" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
É certo que o tempo que se passa dentro de água é um tempo agradável, e é esse o objectivo. Mas o momento em que a criança sente alegria mais intensa é o momento em que a mãe diz que ele pode ir ou voltar para a água, momento esse seguindo de uma intensa e eufórica corrida para o mar.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Para os cães, sobretudo para cachorros e para cães bem socializados, poucas coisas são mais valiosas do que um bom período de brincadeiras com outros cães. Mas, como em tudo na vida, mesmo esses momentos não são de duração perpétua e permanente. A alegria de correr com os companheiros, sem trela, é enorme; mas essa alegria tende a ir diminuindo à medida que o tempo vai passando. Quando lidamos com um cão adolescente, isto é dolorosamente explícito: depois de cinco minutos de brincadeiras, os arbustos ao lado, ou o outro lado do parque começa a ser mais atraente do que manter a brincadeira que até estava boa, mas já tinha dado o que tinha para dar de melhor.</div>
<div style="text-align: justify;">
Cabe ao dono aproveitar a "lei dos picos de alegria" (inventada de fresco) para renovar o interesse do seu cão nas brincadeiras com outros cães (aqui perto de nós, ao invés das caprichosas tentações do outro lado do parque, já longe do nosso controlo). Mas, sobretudo, cabe ao dono fazer uso dessa lei para fortalecer a chamada do seu cão.</div>
<div style="text-align: justify;">
A que é que um cão associa, normalmente, as chamadas dos seus donos? Ao fim da brincadeira, à colocação da trela, à altura de ir embora. Ao contrário, se, de cada vez que chamarmos o nosso cão, voltamos a deixá-lo ir brincar, não só o nosso cão não aprende a associar a nossa chamada ao "fun's over", como, sobretudo, as nossas palavrinhas "podes ir" ganham uma força incomparável, pois associam-se aos picos de alegria do nosso cão. Ao fim de pouco tempo de prática, a associação entre "aqui" e "podes ir" torna-se directa. "Aqui" deixa de querer dizer "anda cá, que vamos embora". Através das leis do condicionamento clássico, cada chamada nossa vai ficando cada vez mais associada a momentos de alegria intensa do nosso cão. E não existe forma mais potente de fortalecer a chamada do nosso cão. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<br />ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-31239737148349175192013-07-01T08:35:00.000-03:002013-07-09T16:32:01.552-03:00Princípio de Premack<div style="text-align: justify;">
<i>«Come primeiro os vegetais e poderás comer o gelado.»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Normalmente, quando alguém tenta explicar o que é o Princípio de Premack, começa por abrir mão deste exemplo epigráfico. E os problemas começam logo aí. É certo que logo a seguir vem toda uma explicação mais coerente e capaz, mas metade do público já se perdeu logo ali. Porquê? Simplesmente, uma grande parte das pessoas vai ver naquela fórmula um modo de suborno. E quem os poderá culpar? Na verdade, se eu disser isto a uma criança, estou, de facto, a usar um certo tipo de suborno.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ora, para evitar este tipo de problemas e, sobretudo, para verdadeiramente reproduzir o significado do Princípio de Premack, a fórmula que eu usaria seria diferente. Seria esta:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>«De tanto comeres o gelado </i>apenas <i>a seguir aos vegetais, vais passar a gostar dos vegetais.»</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
É de duvidar que isto se passe, pelo menos de forma tão linear, nas crianças humanas. Mas nos cães isto é bem mais directo. Aliás, mesmo nos humanos isto não é assim tão absurdo. Que levante a mão aquele que gostou de cerveja na primeira vez que bebeu. No entanto, passado algum tempo, seja pelo efeito posterior, seja pelo convívio social associado, a verdade é que se começa a gostar da cerveja... até ao ponto em que se gosta de cerveja por si só, sem associações a mais nada. Chamamos a isto "gosto adquirido", mas a verdade é que tal aquisição surgiu por uma forma de condicionamento. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O princípio de Premack, no treino de cães, é usado com especial relevância na chamada. A grande batalha que um dono trava quando está a tentar chamar o seu cão no parque é contra as distracções que existem no ambiente. Um cão avista um gato ao longe; o avistamento é recíproco; o gato começa a fugir, incitando o instinto de caça do cão, que o persegue. O dono tenta chamá-lo, sem sucesso. Neste caso, o gato (ou melhor, a perseguição ao gato) é um reforço primário. O dono bem que pode ter uma lata de fígado cozido na mão, não adianta; nesta situação (sublinho: <u>nesta situação</u>) o fígado será sempre um reforço secundário. A ideia contida no princípio de Premack, aplicada ao treino, consiste em transferir as qualidades do reforço primário para um reforço secundário qualquer. Numa fase bastante adiantada do treino, um cão, antes de iniciar a perseguição ao gato, viria ter com o dono (que entretanto o havia chamado) para poder perseguir o gato. A vantagem imediata é que o dono, nesse momento, poderia ter tempo para decidir se seria seguro deixar a perseguição iniciar-se ou não (dependeria da distância a que o gato já estivesse, da existência de estradas por perto, etc.). Em princípio, o dono decidiria não promover a perseguição e seguraria o cão. Mas com plena consciência de que, ao frustrar, <i>dessa vez</i>, a mecânica do comportamento e dos seus reforços, teria de, nos dias seguintes, recompensar intensamente o comportamento para que ele não desaparecesse. A ideia é sempre treinar muito, em ambientes controlados, para o eventual dia em que o exercício será a sério (assim tipo atleta olímpico). Lamentavelmente, a maior parte das pessoas "treina" nas situações reais, sem controlo do comportamento nem gestão do ambiente (assim tipo futebol brasileiro, em que se joga mais do que se treina). </div>
<div style="text-align: justify;">
Numa fase inicial, o treino da chamada usando o princípio de Premack passa por coisas deste género. Colocamos um bocado de comida num sítio em que o cão tenha noção de que lá está, mas onde não consiga chegar (em cima de uma mesa... ou do frigorífico, se tiverem um Dogue Alemão). Colocamo-nos atrás do cão, na ponta oposta da sala. E chamamo-lo. Ele demorará a vir, pois está mais interessado no petisco à borla. Mas eventualmente virá (só é preciso chamar uma vez). Quando ele vier, nós reforçamos rápida e levemente e - mais importante - vamos com ele até ao sítio do petisco inacessível e oferecemo-lo. A primeira tentativa poderá parecer frustrante, pelo tempo que o cão demorou a responder à chamada. Mas nas tentativas seguintes (aí por volta da terceira ou quarta), irão ver que, como por magia, o cão dirige-se prontamente a si quando o chamar. O objectivo, neste exercício, é que, tal como diz a incomparável Jean Donaldson, «o cão aprenda uma estranha lição de física: para chegar até aos objectos, devo afastar-me deles... wow». </div>
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É óbvio que para chegar deste primeiro exercício até ao controlo do cão na perseguição ao gato é preciso passar por muitas etapas intermédias, que envolvam subidas de fasquia e de exigência, e mudanças no objecto "desejado" (comida diferente, bolas, um dos donos que acabou de chegar, ...). Um bom exercício de grau intermédio passa por fazer algo parecido com o exercício inicial, mas imprimindo movimento à comida-alvo. Ou seja, colocados junto ao nosso cão, atiramos um pedaço de comida, deixamos o cão correr um ou dois metros e chamamo-lo em plena corrida. Se o cão não responder, então recuem no nível de exigência, por exemplo, chamando-o ainda antes de ele começar a correr. É importante que, durante as experiências para ver qual o nível de exigência ajustado para começar, o cão não seja reforçado por não responder à chamada (usem uma segunda pessoa que bloqueie o acesso à comida caso o cão não responda à chamada primeiro, ou usem uma trela, mas cuidado com os esticões abruptos). </div>
ldshttp://www.blogger.com/profile/04383747324097526427noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8275995830315603926.post-4121168284562194642013-06-30T13:51:00.000-03:002013-07-03T11:24:20.761-03:00Imagine...<div style="text-align: justify;">
Imagine que tem um cão com alguns problemas de comportamento. Ele denota ser ansioso e receoso, sobretudo com estranhos. Sempre que algum estranho passa à frente de sua casa, o seu cão salta para o muro e vedação, e ladra o mais próximo que consegue da pessoa que por ali está a passar. Sempre que algum estranho, dentro de sua casa, se aproxima do seu cão, ele afasta-se, protege-se atrás de si, e, se o estranho insistir, ele rosna. E imagine que toda e qualquer pessoa que entre em sua casa é um estranho para o seu cão, pois este medo do seu cão por estranhos nunca deixou que ninguém o abordasse. E agora imagine que tem um cão com 70 kg.</div>
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Como dono consciencioso, contrata um profissional para ajudá-lo a resolver este problema.</div>
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Agora, o caro leitor imagine que esse profissional, depois de uma avaliação do seu cão, lhe diz que estava à espera de muito pior e que, em rigor, o seu cão não tem nenhum problema. Pelo menos, nada de grave. Pelo meio, aconselha-o a passear mais o seu cão e a gastar as suas energias. Depois, este treinador (imaginário, claro!) pede para que o caro leitor lhe mostre aquilo que faz quando o seu cão tem aquelas exibições de agressividade junto do muro de casa. Depois de ver a forma como lida e sempre lidou com o assunto, o treinador diz-lhe que está a proceder perfeitamente bem.</div>
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Tudo somado e espremido, é isto o que o treinador contratado faz. Isto, no campo da imaginação, claro.</div>
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Ora, o que é que o caro leitor faria neste caso?</div>
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A. Aceitava o diagnóstico do treinador e achava que, afinal, não tinha problema nenhum;</div>
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ou</div>
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B. Achava que um cão que rosna aos estranhos e se afasta deles precisa de mais qualquer coisa do que um ou dois passeios diários;</div>
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ou, ainda</div>
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C. Achava que o treinador estava muito pouco preocupado com o comportamento real do cão, e estava apenas preocupado com a forma como o dono lida com esse cão. E como, neste caso, o dono lida da forma como esse treinador acredita que se deve lidar, tudo está bem, apesar do cão continuar a ter medo de pessoas, a saltar contra as vedações sempre que alguém passa perto de casa, e a demonstrar ansiedade em todos os seus comportamentos.</div>
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Então, diga lá o leitor qual seria a opção certa para si?</div>
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